Pesquisadora analisa os vultos e lições deixados pela Operação Carne Fraca | Analytica 90
Entrevista com Ana Lucia Lemos, Diretora do Centro de Tecnologia de Carnes do Instituto de Tecnologia de Alimentos esclarece questões sobre a qualidade dos produtos cárneos nacionais
A Operação Carne Fraca da Policia Federal, deflagrada em março de 2017, já pode ser considerada uma das maiores ações investigativas da instituição. Isso se deve ao fato do cumprimento de aproximadamente 300 mandados e com o expediente de mais de 1000 policiais federais em todo território nacional.
O objetivo foi desmantelar o esquema que envolvia empresas privadas e fiscais do Ministério da Agricultura para a liberar a venda de produtos cárneos impróprios para o consumo. Porém, mesmo que a análise da qualidade das carnes produzidas no Brasil fosse o principal foco, acabou sendo necessária, para se comprovar a gravidade desse tipo de esquema. Foram encontradas nessas análises a comercialização de produtos vencidos, Salmonella, carne estragada em salsichas, uso de ácido ascórbico e inclusive papelão.
Com isso, as consequências dessa operação foram diversas, dentre as principais: quebra de acordos comerciais nacionais e internacionais, desvalorização de ações de frigoríficos e novas investigações advindas dessa primeira fase da operação. Outrossim, após virem a público os resultados da operação, a confiança do consumidor sobre o alimento posto à mesa não foi mais a mesma, apesar das instituições públicas responsáveis pela fiscalização afirmarem, pouco tempo depois, que a carne é própria para consumo.
Diante disso, após mais de seis meses do ápice da operação, o assunto já deixou de ser abordado com o afinco e frequência de outrora, seja por outros escândalos que o absorvera, como pelo avanço das investigações para âmbitos menos técnicos.
Por esse motivo, para entender em que passo está atualmente a qualidade dos cárneos consumidos no Brasil, conversamos com Ana Lucia da Silva Correa Lemos, pesquisadora e Diretora do Centro de Tecnologia de Carnes (CTC) do Instituto de Tecnologia de Alimentos (ITAL). Cabe ressaltar que o CTC é hoje um dos principais centros de pesquisa tecnológica e da gestão da qualidade das carnes e é composto por laboratórios de análise físico-químicas, microbiológicas e sensoriais. Além disso, ela comenta como as empresas deve ser preparar para oferecer produto de qualidade e quais cuidados os consumidores devem tomar na hora de escolher a carne. Confira.
Após mais de seis meses do ápice da “Operação Carne Fraca” da Polícia Federal, qual o saldo que o ITAL verificou das denúncias e polêmicas sobre a qualidade dos cárneos consumidos?
Resposta: A inspeção tem sido cada vez mais cuidadosa e os consumidores estão mais atentos. O consumo interno de carnes e derivados permanece nos mesmos patamares, segundo nossa percepção. Inclusive responsáveis pela merenda escolar em diferentes municípios estão nos procurando para estabelecimento de parâmetros que assegurem que o produto atende as características desejadas (palatabilidade, mastigabilidade).
Durante as questões advindas da operação, qual foi o posicionamento do ITAL?
Resposta: O Centro de Tecnologia de Carnes (CTC) do ITAL reconhece o excelente trabalho realizado pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF) do Ministério da Agricultura e pela Polícia Federal. As informações divulgadas foram panfletárias no início, mas o posicionamento rápido do SIF ao elaborar uma nota esclarecedora publicada no dia seguinte, foi muito importante. Com certeza estamos evoluindo e os impactos foram muito menores do que foi estimado na época. Nossa carne atende rígidos padrões de qualidade nas empresas fiscalizadas.
Quais as recomendações do ITAL para os frigoríficos e indústrias alimentícias para o manuseio e estocagem de produtos cárneos?
Resposta: Devem atender às especificações de temperatura, quer sejam elas para produtos congelados ou resfriados. Abusos de temperatura alteram as características físicas, químicas, microbiológicas e sensoriais das carnes e dos produtos cárneos e os danos são irreversíveis.
Como garantir a segurança da carne em açougue?
Resposta: A limpeza do ambiente, a higiene do ambiente e na manipulação das carnes pelos funcionários são bons indícios, mas nada é suficiente para garantir a segurança microbiológica da carne, só a procedência. Frigoríficos fiscalizados por órgãos governamentais, estabelecimentos fiscalizados com frequência pela vigilância municipal tendem a ser mais seguros. Alguns açougues desossam e isso requer treinamento de funcionários no recebimento das carcaças. Aqueles que trabalham com carnes embaladas precisam treinar seus funcionários na avaliação da qualidade da carne.
E para o consumidor? Quais recomendações para avaliar se o produto está próprio para consumo?
Resposta: O odor é um bom parâmetro para carnes embaladas a vácuo, assim como a capacidade de recuperar a coloração vermelho cereja após abertura do pacote e exposição ao oxigênio. Estas características indicam se uma carne estaria envelhecida ou foi submetida a flutuações de temperatura durante a estocagem ou comercialização. O carimbo da inspeção é um indicativo de que a carne e o produto cárneo são próprios para consumo, provenientes de animais sadios, abatidos adequadamente em frigoríficos que tem boas práticas implementadas no seu processo produtivo. Em relação ao varejo, a responsabilidade sobre os estabelecimentos é da vigilância sanitária. Sempre que o consumidor suspeitar de práticas fraudulentas no varejo deve comunicar aos órgãos competentes. O CTC/ITAL é hoje um dos principais centros de pesquisa tecnológica mundiais.
Atualmente, quais os principais trabalhos e pesquisas em andamento?
Resposta: Temos trabalhado prioritariamente com a segurança microbiológica de carnes e produtos cárneos e estabilidade durante a vida útil.
Afinal, o processo de fiscalização e de qualidade da carne brasileiro é ineficaz como noticiado pela mídia, ou estes casos comprovados de omissão e corrupção de fiscais da vigilância sanitária trata-se de uma exceção e não de uma regra?
Resposta: As normas brasileiras são rigorosíssimas. Os serviços de inspeção federal têm normativas e decretos-lei que são extremamente rígidos. Precisam de uma atualização porque são tão rígidos que dificultam a inclusão de uma inovação. Nossa legislação é extremamente restritiva, o que torna o produto muito seguro. Estão sendo feitas revisões, e a minha expectativa é de que esse fato vai poder até modernizar toda a nossa legislação sobre produtos cárneos. Isso não significa tornar mais flexível e mais permissiva. Isso é algo que, com a evolução da tecnologia precisa ser revisto porque as normas atuais são extremamente rígidas.
Como vamos mostrar para o mundo qual é a carne que o Brasil realmente produz? E qual é essa carne?
Resposta: Ao meu ver todos os importadores sabem que a carne brasileira é de excelente qualidade, enviam inúmeras missões para verificar o sistema produtivo, auditar documentos, exigem inúmeros laudos analíticos que assegurem a inocuidade da carne etc. Os padrões requeridos pelos importadores são elevadíssimos e ao compararmos as nossas indústrias exportadoras com as do exterior, somos muito mais rigorosos, em vários aspectos. Vejo que o grande problema é que nós brasileiros demos motivos para nos imporem barreiras e com isso perderemos competitividade, eventualmente.
É possível dizer, que a carne consumida atualmente é totalmente de qualidade?
Resposta: As carnes provenientes de frigoríficos submetidos ao sistema de inspeção são seguras, desvios que possam ocorrer, são exceções, pois o sistema é robusto.
Depois de duas décadas dedicadas ao crescimento do setor, como superar este golpe e se manter como um dos países que mais produz, consume e exporta de carne do mundo?
Resposta: Os dados de exportação já indicam que estamos superando o golpe e os níveis anteriores estão sendo mantidos. Penso que a sanidade dos animais, livres de algumas doenças prevalentes em outros países seja um dos motivos, além dos importadores estarem se certificando que as falhas do sistema eram pontuais.