Reflexões sobre a educação em metrologia e qualidade
Por Luciana e Sá Alves¹ e José Mauro Granjeiro²
A ‘Metrologia’ é definida como ciência da medição e suas aplicações [1] e o artigo ‘Metrology is key to reproducing results‘, publicado na revista Nature em julho de 2017 [2], enfatiza a crise de reprodutibilidade da pesquisa científica como consequência da falta de pessoas habilitadas para realizar medições e com conhecimentos sobre as oportunidades de validar as medições apropriadamente. Nos anos de 2005 e 2010, duas publicações de entidades científicas brasileiras já indicavam a importância da educação em metrologia para o país.
O documento “Pensando o Futuro: o desenvolvimento da física e sua inserção na vida social e econômica do país” foi publicado pela Sociedade Brasileira de Física no ano de 2005 [3], ressalta que a Metrologia é um dos desafios multidisciplinares para o desenvolvimento da física e que a maior necessidade brasileira na área é a atração de pessoal de alta qualificação científica e tecnológica. Conforme o documento, a área da metrologia está associada ao atendimento às exigências de uma sociedade que pretende se tornar plenamente industrializada, a um salto qualitativo na capacidade de conceber e realizar experimentos, a uma linguagem comum e padronizada, aos procedimentos que assegurem a confiança nos resultados de medições, à segurança e ao bem-estar e às barreiras técnicas ao comércio.
No documento “Consolidação das recomendações da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável”, aparece, como uma das recomendações, o apoio a programas de capacitação para enfrentar os desafios da metrologia em novas áreas, como a biotecnologia, a nanotecnologia, as mudanças climáticas e as energias renováveis. [4]
A educação em metrologia é o tema de um capítulo nas quatro edições quadrienais do documento “Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira” desde o ano de 2003. Este documento é aprovado pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO e descrito como instrumento da política metrológica brasileira, orientativo das ações das diversas instituições ligadas à metrologia e da aplicação de recursos governamentais para o efetivo desenvolvimento da metrologia no País. [5]
Os capítulos, nos quatro documentos, descrevem o mesmo contexto para o ensino de metrologia:
- É essencial para o aumento da qualidade dos produtos e processos, com consequente aumento da competitividade das indústrias e desenvolvimento industrial do país.
- Há carência clara de conceitos fundamentais de metrologia em muitas áreas de formação.
As onze diretrizes que estão em vigor para o quadriênio 2018-2022 foram classificadas no quadro 1 conforme as “formas de ensino” [6] ou “modos de educação” [7]: Educação Formal, Educação Não Formal e Educação Informal.
Quadro 1: Classificação das diretrizes estratégicas para a educação em metrologia de acordo com as formas de ensino ou modos de educação:
Educação Formal | Educação Não-Formal | Educação Informal |
i. intensificar as parcerias com as instituições de ensino brasileiras visando a inserção de conteúdos de metrologia nas disciplinas dos cursos de nível superior e profissionalizantes; | iii. promover uma política de apoio e incentivo à realização de cursos especializados, congressos, seminários, workshops e outros eventos de capacitação em metrologia, incluindo a consolidação e expansão dos eventos nacionais e internacionais de metrologia já existentes; | ii. promover e estimular a produção e publicação de literatura, incluindo livros didáticos, teses, estudos e pesquisas no âmbito da metrologia; |
vii. consolidar e expandir os programas de ensino técnico profissional e de Pós-Graduação do Inmetro, expandindo a oferta à sociedade de cursos relacionados à Metrologia, Qualidade e Tecnologia; | vi. ampliar e aprimorar os programas de capacitação de recursos humanos para as operações e administração da metrologia legal, especialmente para os integrantes da RBMLQ-I e Redes Metrológicas Estaduais, bem como criar mecanismos para multiplicar o número de auditores e avaliadores qualificados no Brasil; | iv. promover, estimular e realizar programas e ações para conscientização e sensibilização dos poderes públicos, setores produtivos de ensino, consumidores e população em geral, sobre os aspectos estratégicos associados à metrologia legal; |
viii. incentivar a implantação de escolas e de cursos técnicos profissionalizantes de nível médio em todas as regiões do Brasil, em consonância com os programas de governo existentes”
| ix. elaborar o programa de residência tecnológica em metrologia, avaliação da conformidade e tecnologias, visando à capacitação técnica associada ao treinamento especializado;
| v. estimular a mobilização nas associações técnicas e científicas, bem como entidades de classe, para a difusão da cultura metrológica e da normalização técnica junto aos seus associados; |
xi. implementar programas para formação e certificação de pessoas com competências necessárias para exercer as funções de técnicos, especialistas e agentes em metrologia e avaliação da conformidade. | ||
x. promover a capacitação de docentes e a realização de cursos especializados em metrologia e avaliação da conformidade; |
A Educação Formal acontece nas instituições oficiais de ensino reconhecidas pela instância legal do país, como o Ministério da Educação (MEC) do Brasil. É o sistema educativo hierárquico e cronologicamente estruturado, com todas as suas partes – burocráticas e curriculares – interconectadas e em mútua dependência. A Educação Não-Formal é qualquer atividade educacional organizada fora do sistema formal estabelecido, orientada a servir a usuários específicos e com objetivos de aprendizagem evidenciáveis. Algumas das características que a diferem da Educação Formal são: menos hierarquia, menos burocracia, duração variável e atividades independentes, sem a necessidade de um sistema sequencial de progressão, de uma instituição oficial de ensino e do reconhecimento legal. É conhecida, também, como educação não-escolar ou extraescolar A Educação Informal é o processo para aquisição de valores e conhecimentos e para o desenvolvimento de atitudes e habilidades que ocorre durante toda a vida graças à experiência diária de interação com o mundo – família, trabalho, lazer [6 a 9]. A experiência de educação informal não é dirigida para atingir a um público específico, o que impede que objetivos de aprendizagem sejam evidenciados e mensurados, inviabilizando a emissão de certificados que atestem o desenvolvimento de competências.
Quais são as atividades educacionais em metrologia que acontecem no Brasil e em países vizinhos?
A pesquisa exploratória com abordagem qualitativa, feita no primeiro semestre de 2017, buscou atividades educacionais descritas nos sites das instituições participantes da infraestrutura da qualidade dos Estados membros do Bureau International des Poids et Mesures (BIPM) localizados na América do Sul (Argentina, Brasil, Chile, Colombia, Uruguai e Venezuela). Com exceção da Venezuela, ao clicar no nome de cada um dos países, uma das categorias de informação é “Quality Infrastructure”, onde há a lista de todas as instituições participantes. A partir da pesquisa nos sites dessas instituições, todas as atividades educacionais com informações disponíveis online foram contabilizadas e descritas. [10]
Atividades educacionais foram identificadas em 24 instituições nos cinco países com infraestrutura da qualidade descrita no site do BIPM [11]. O quadro 2 organiza os resultados obtidos em três categorias – Capacitação (Educação Formal e Educação Não-Formal); Materiais (Educação Informal) e Outros (atividades distintas daquilo classificado nas outras duas categorias)
Quadro 2: Levantamento das Atividades Educacionais
Capacitação (Educação Formal e Educação Não-Formal) | Materiais (Educação Informal) | Outros (atividades distintas daquilo classificado nas outras duas categorias) |
1094 treinamentos presenciais e 64 a distância; 10 cursos técnicos, 34 cursos de aperfeiçoamento/pós-médio; 82 cursos de graduação, 99 cursos de especialização presenciais, 1 curso de especialização a distância, 76 cursos de mestrado e 40 cursos de doutorado; | 175 artigos, 9 revistas (247 ed), 20 boletins (515 ed), 19 relatórios, 12 manuais, 54 livros, 68 folder, 1 Newsletter (4 ed), 29 cartilhas, 3 Planos Estratégicos, 6 Memórias Institucionais (37 ed), 1 Relatório de Gestão; 795 vídeos, 334 áudios e 4316 fotos (audiovisuais); 2 Poster, 1 CD Rom; 2 Sequências Didáticas | Seminários e Palestras, Prêmios e Concursos; Programas de Formação; Inscrição em Newsletter; Museu ou Espaço de divulgação; Museu virtual; Museu móvel; Projetos e sites especiais; Softwares; Jogos; Visitas guiadas; Editora; Programas de Rádio; Campus Virtual; Centros de Formação; Curso em planejamento; Revista “De Acuerdo” (interinstitucional). |
Bases para um projeto sobre a educação em metrologia no Brasil
A análise de todas as atividades permitiu identificar 16 materiais como estritamente associados à educação em metrologia, qualidade e avaliação da conformidade. Entre estes, dez materiais são publicados em língua espanhola e precisariam ser traduzidos para a língua portuguesa. [11]
A oferta de cursos técnicos e pós-graduações acontece em oito instituições. Três delas também oferecem graduações [11]. O número total de cursos relacionados com a educação em metrologia e qualidade, classificados nas categorias curso técnico, aperfeiçoamento (pós-médio), graduação, especialização, mestrado e doutorado, é apresentado no quadro 3.
Quadro 3: Número total de cursos relacionados com a educação em metrologia e qualidade
Curso técnico | Aperfeiçoamento (pós-médio) | Graduação | Especialização | Mestrado | Doutorado |
01 | 26 | 02 | 06 | 04 | 02 |
A ocorrência de um único curso técnico em Metrologia, no Brasil (INMETRO), pode indicar que esse nível educacional não é adequado para a formação especializada fora do ensino superior, melhor desenvolvida, dada a quantidade de cursos, em nível de aperfeiçoamento (pós-médio). Nessa perspectiva, uma ação seria a extinção do curso técnico em Metrologia do INMETRO e a organização de cursos de aperfeiçoamento (pós-médio). [11]
No ensino superior, o nível educacional da graduação relacionado à metrologia e qualidade não é atendido no Brasil. O curso de “Ingeniería Industrial con orientación en eficiencia y calidad industrial” do Instituto Nacional de Tecnología Industrial (INTI/Argentina) poderia ser utilizado de dois modos – como modelo para uma nova habilitação em Engenharia e para inspirar o desenvolvimento de disciplinas que integrem os currículos de habilitações já existentes [11].
No Brasil, todos cursos de pós-graduação oferecidos pelas instituições da infraestrutura da qualidade são em nível de mestrado e doutorado. A identificação de seis cursos de especialização para a educação em metrologia e qualidade, nos outros países, demonstram a viabilidade desse nível de formação e estimulam a reflexão para o planejamento de cursos de especialização no Brasil [11].
Ações para a formação de professores apareceram nas instituições INTI, CNEA e INMETRO, mas os sites destas instituições não mostraram informações suficientes para compreender como as ações ocorrem. Do mesmo modo, há pouca informação sobre o curso de doutorado em “Calidad y Innovación Industrial” identificado no site do INTI/Argentina. Por serem as etapas inicial e terminal de uma trilha de educação formal em metrologia e qualidade, conhecer melhor essas iniciativas pode ser o primeiro passo para estabelecer o intercâmbio entre instituições congêneres e iniciar o projeto de educação em metrologia e qualidade para o Brasil [11].
Referências
- Brasil. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. INMETRO. Vocabulário Internacional de Metrologia: conceitos fundamentais e gerais de termos associados (VIM 2012). Duque de Caxias, RJ: 2012. http://www.inmetro.gov.br/inovacao/publicacoes/vim_2012.pdf Acesso em 27 ago. 2018.
- SENÉ, M. GILMORE, I. JANSSEN, J.T. Metrology is key to reproducing results. Nature. Vol 547. 27 July 2017. p. 397-399. Disponível em < https://www.nature.com/news/metrology-is-key-to-reproducing-results-1.22348> Acesso em 27 ago. 2018.
- A. CHAVES; R.C. SHELLARD. (editores). “Física para o Brasil: Pensando o Futuro.” São Paulo: Sociedade Brasileira de Física, 2005. Disponível em <http://www.sbfisica.org.br/v1/arquivos_diversos/publicacoes/FisicaBrasil_Dez05.pdf> Acesso 27 ago. 2018.
- Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). “Consolidação das recomendações da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável; Conferências Nacional, Regionais e Estaduais e Fórum Municipal de C,T&I. Brasília: 2010. Disponível em <http://livroaberto.ibict.br/handle/1/677>. Acesso 27 ago. 2018.
- BRASIL. Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO). Comitê Brasileiro de Metrologia (CBM). Diretrizes Estratégicas para a Metrologia Brasileira 2018-2022. Disponível em <http://www.inmetro.gov.br/legislacao/resc/pdf/RESC000261.pdf> Acesso 27 Ago. 2018.
- Bianconi M L, Caruso F Cienc. Cult. Educação não-formal. 57, n. 4, 2005. http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252005000400013 Acesso 27 Ago. 2018.
- Pastor Homs M I 2001 Revista Española de Pedagogia Orígenes y evolución del concepto de educación no formal 220. https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/23701.pdf Acesso 27 ago. 2018
- P. H. COOMBS; R.C. PROSSER; M. AHMED (1973a) New Paths To Learning for Rural Children and Youth (International Council for Educational Development for UNICEF). Apud PASTOR HOMS, M.I.. “Orígenes y evolución del concepto de educación no formal”, in Revista Española de Pedagogia, año LIX, no 220, septiembre-diciembre, 2001, p. 525-544. Disponível em <https://dialnet.unirioja.es/descarga/articulo/23701.pdf> Acesso 27 ago. 2018
- M. GADOTTI. A questão da educação formal/não-formal. Institut international des droits de l’enfant (ide). Droit à l’éducation: solution à tous les problèmes ou problème sans solution? Sion (Suisse), 18 au 22 octubre 2005. Disponível em < http://www.ceap.br/material/MAT02102013190417.pdf> Acesso 27 ago. 2018
- Bureau International des Poids et Mesures (BIPM). Member States. <http://www.bipm.org/en/about-us/member-states/>
- Alves, L.S.; Granjeiro, J.M. Thinking the Future: Development of Metrology Education in Brazil. IMEKO TC1-TC7-TC13 Symposium: “Measurement Science Challenges in Natural and Social Sciences”. Rio de Janeiro: 2017. 2017 IMEKO TC1-TC7-TC13 Joint Symposium IOP Publishing. IOP Conf. Series: Journal of Physics: Conf. Series 1044 (2018) 012071 Disponível em <http://iopscience.iop.org/article/10.1088/1742-6596/1044/1/012071/pdf> Acesso em 27 Ago. 2018
Autores:
¹Diretoria de Metrologia Científica e Industrial/Divisão de Metrologia Óptica
²Diretoria de Metrologia Aplicada às Ciências da Vida
Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia/Inmetro