Contribuições da Tecnologia Industrial Básica para a Agenda 2030 da ONU: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Erradiação da Pobreza (ODS 1) e Saúde e Bem-Estar (ODS 3)
Introdução
Este artigo é o segundo artigo de uma série que vai tratar do potencial de integração entre as funções de Tecnologia Industrial Básica (TIB) e o atendimento a alguns dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a partir das discussões presentes nas publicações “O papel da Metrologia no Contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” [1] e “Reiniciando a Infraestrutura da Qualidade para um Futuro Sustentável” [2]. O primeiro artigo, intitulado “Tecnologia Industrial Básica e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, apresentou a definição de TIB e sua importância para o setor produtivo, a Agenda 2030 da ONU, os ODS e as publicações de referência. O objetivo deste artigo é analisar as relações entre TIB e os ODS 1 – Erradiação da Pobreza e 3 – Saúde e Bem-Estar, estabelecidas na publicação “O papel da Metrologia no Contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” [1], produzida em conjunto pela UNIDO, pelo BIPM e pela OIML, agregar explicações sobre os termos utilizados e, também, relações com a infraestrutura da qualidade no Brasil.
Obejtivo de Desenvolvimento Sustentável 1 – Erradicação da Pobreza
O ODS 1 é estruturado em 7 metas para “alcançar o fim da pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares” [3]. A função de TIB relacionada é a Metrologia Legal.
A Organização Internacional de Metrologia Legal – OIML, um dos editores da publicação de referência [1], define a Metrologia Legal como “a prática e o processo de aplicação da estrutura regulatória e da fiscalização para a metrologia”. São as atividades de metrologia – ou seja, medição, unidades de medida, instrumentos de medição ou sistemas e métodos de medição – que tem requisitos legais prescritos e, portanto, são realizadas por ou em nome de autoridades governamentais. O propósito das atividades de Metrologia Legal é promover um nível adequado de confiança nos resultados das medições dentro do ambiente regulatório nacional. [4]
O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) é a entidade responsável por estabelecer, implantar e operacionalizar a infraestrutura necessária para viabilizar as atividades de Metrologia Legal em todo o território nacional.
Alguns exemplos de instrumentos de medição sujeitos ao controle metrológico legal são [5]:
- No Comércio: balança, hidrômetro, taxímetro, bomba medidora de combustível;
- Na Saúde: termômetro clínico, medidor de pressão sanguínea (esfigmomanômetro);
- Segurança: cronotacógrafo, medidor de velocidade de veículos, etilômetro;
- Meio Ambiente: analisador de gases veiculares, opacímetro, módulo de inspeção veicular;
- Efeito Fiscal: medidor de velocidade de veículos, analisador de gases veiculares.
A publicação de referência [1] destaca, para três contextos, a importância do controle metrológico legal de instrumentos de medição para a erradicação da pobreza: segurança das estradas, trocas comerciais e saúde. Uma síntese da análise presente no documento é apresentada a seguir.
A segurança das estradas é aumentada com a utilização de cronotacógrafos, medidores de velocidade de veículos, balanças e etilômetros devidamente calibrados, cujos modelos foram aprovados. Acidentes em estradas tem altos custos humanos, além de gastos com manutenção e reparo que poderiam ser direcionados para benefícios de todos. Os acidentes podem transformar pessoas saudáveis de qualquer idade em indivíduos incapacitados e mais propensos a terem redução de renda e se aproximarem da pobreza ou pobreza extrema.
A Metrologia Legal assegura as trocas comerciais justas por meio da verificação periódica da calibração das balanças utilizadas para a pesagem de produtos. Balanças calibradas permitem que os produtores recebam o pagamento correto por suas mercadorias e as matérias-primas exportadas a granel recolham as taxas devidas de impostos de exportação pelos governos. A Metrologia Legal também cuida de produtos pré-medidos, que representam 85% de tudo o que é consumido. Produto pré–medido (ou pré-embalado) é tudo aquilo que é medido e embalado sem a presença do consumidor e, neste estado é comercializado. [6] A aquisição da quantidade de alimentos contratada na venda, tanto pré-medidos como aqueles pesados na presença do consumidor, valoriza recursos finaceiros na compra de alimentos. Alguns produtos que possuem a padronização quantitativa estabelecida são o arroz, o feijão, o café, a farinha de mandioca, a farinha de trigo, o filé de pescado congelado, as manteigas e margarinas, os óleos comestíveis. [7]
A atuação do Inmetro no controle metrológico legal dos equipamentos e a verificação das indicações quantitativas dos produtos pré-medidos acontece por um modelo descentralizado, com a delegação de atividades nas áreas de metrologia legal e avaliação da conformidade a 26 órgãos, dos quais 23 são órgãos da estrutura dos governos estaduais, um é órgão municipal, e dois são superintendências do Inmetro. Todos os 26 órgãos e o Inmetro constituem a Rede Brasileira de Metrologia Legal e Qualidade – Inmetro (RBMLQ-I). [8] A maioria destes órgãos delegados utiliza o nome Instituto de Pesos e Medidas (IPEM).
O controle metrológico de equipamentos de saúde assegura valores mais exatos nas medições, o que pode permitir diagnósticos mais precisos. A redução de custos com saúde, graças à menor prescrição de medicamentos e de exames mais complexos e a diagnósticos precoces, por exemplo, impacta na redução da pobreza monetária e, também, na redução da pobreza não monetária, com a ampliação do acesso a sistemas de saúde e a medicamentos.
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável fazem parte de um único documento, a Agenda 2030 da ONU, composto por temas naturalmente interrelacionados e complementares, fundamentais para “transformar o mundo” [9]. A discussão sobre o impacto da Metrologia Legal para a erradicação da pobreza (ODS 1) por meio do controle metrológico de equipamentos de saúde é o exemplo da pemeabilidade entre as fronteiras daquele ODS com o ODS 3 – Saúde e Bem-Estar.
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3 – Saúde e Bem-Estar
O ODS 3 visa “assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas e todos, em todas as idades” por meio do alcance de 13 metas. [10]
A publicação de referência [1] relaciona as medições confiáveis com sáude e segurança, nos temas diagnósticos e tratamentos e, também, para a segurança alimentar. Além daquilo que já foi mencionado na discussão sobre o ODS 1, neste trecho da publicação de referência aparecem duas outras aplicações na área da sáude dependentes de medições confiáveis – a radioterapia (doses de drogas e de radiação) e a produção de pesquisas multicêntricas pela combinação de estudos realizados e dados obtidos em diferentes lugares.
A metrologia de radiações ionizantes é assegurada e desenvolvida, no Brasil, pelo Laboratório Nacional de Metrologia das Radiações Ionizantes (LNMRI) pertencente ao Instituto de Radioproteção e Dosimetria (IRD). O LNMRI foi designado pelo Inmetro em 1989 e, desde então, é responsável pelo desenvolvimento, a guarda e a disseminação dos padrões nacionais das unidades SI para as grandezas Atividade, Fluência, Kerma, Dose absorvida e Equivalente de dose. O laboratório atende às necessidades nacionais de calibração de instrumentos de detecção e no fornecimento de padrões radioativos certificados. [11]
A importância da confiança e da comparabilidade entre resultados de pesquisas, independentemente de onde foram obtidos, teve grande destaque durante todo o ano de 2020 por causa do contexto epidêmico e as pesquisas sobre a COVID-19. No mês de julho, a diretora da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) fez um apelo para o estabelecimento de forte coordenação entre os países que possibilite o profundo entendimento das tendências epidemiológicas, orientações claras e um fornecimento confiável de produtos de saúde para o enfrentamento da pandemia de COVID-19. [12]
A publicação de referência [1] aponta seis consequências do reconhecimento internacional, da aceitação de equivalências de medições e da rastreabilidade a padrões de medição apropriados, que são pilares do sistema metrológico mundial:
- Melhoria da qualidade dos cuidados com a saúde para os pacientes;
- Redução dos resultados falso negativo e falso positivo dos testes;
- Redução de custos e melhoria da eficiência dos sistemas de saúde;
- Redução da necessidade de repetir testes por conta da melhoria da sua qualidade;
- Eliminação da duplicação de padrões semelhantes graças à unificação de padrões regionais;
- Aceitação global de medições e testes, com a remoção de barreiras técnicas ao comércio.
Para a sustentação dos três pilares do sistema metrológico mundial, são necessários Acordos de Reconhecimento Mútuo para resultados de medição e para a Avaliação da Conformidade. Alguns fóruns mundiais que tem a participação do Brasil por meio do trabalho do Inmetro são Bureau Internacional de Pesos e Medidas (BIPM), Fórum Internacional de Acreditação (IAF), Cooperação Internacional de Acreditação de Laboratórios (ILAC) e Codex Alimentarius.
O BIPM, um dos editores da publicação de referência [1], promove a equivalência internacional de medições por meio do Acordo de Reconhecimento Mútuo (MRA acrônimo do termo em inglês) do Comitê Internacional de Pesos e Medidas (CIPM) – CIPM MRA, em que os Institutos Nacionais de Metrologia (INM) demonstram a equivalência internacional de seus padrões de medição e dos certificados de calibração e de medição que eles emitem. Uma vez tendo este reconhecimento, os INM passam a integrar a Hierarquia do Sistema Metrológico, representada graficamente como um triângulo dividido em quatro níveis. [13] Do topo até a base do triângulo há o aumento da incerteza de medição e as organizações que ocupam cada nível são, nesta ordem, o BIPM, os Padrões Nacionais sob responsabilidade dos Institutos Nacionais de Metrologia, os Laboratórios de calibração e ensaio e os Laboratórios do chão de fábrica. A relação entre os resultados de medição obtidos por um nível e o nível imediatamente superior se chama Rastreabilidade, definida no Vocabulário Internacional de Metrologia (VIM) como “Propriedade dum resultado de medição pela qual tal resultado pode ser relacionado a uma referência através duma cadeia ininterrupta e documentada de calibrações, cada uma contribuindo para a incerteza de medição. [14 item 2.41]
O IAF e o ILAC são fóruns de interação entre organismos de acreditação. “Acreditação é uma ferramenta estabelecida em escala internacional para gerar confiança na atuação de organizações que executam atividades de avaliação da conformidade”. [15]. Avaliação da Conformidade é o “processo sistematizado, acompanhado e avaliado, de forma a propiciar adequado grau de confiança de que um produto, processo ou serviço, ou ainda um profissional, atende a requisitos pré-estabelecidos em normas e regulamentos técnicos com o menor custo para a sociedade.” [16] Organismos de Avaliação da Conformidade acreditados fornecem documentos sobre o atendimento a requisitos de maior credibilidade. O IAF trata de acreditação para a avaliação da conformidade nos campos de sistemas de gestão, produtos, serviços, pessoal e outros programas similares. [17] Os campos tratados pelo ILAC são laboratórios de calibração e de ensaios, laboratórios de exames médicos e organismos de inspeção. [18] A Coordenação Geral de Acreditação (Cgcre), apesar de fazer parte da estrutura regimental do Inmetro, é considerada uma organização diferenciada do Inmetro dentro da Infraestrutura da Qualidade do Brasil descrita no site do BIPM. A Infraestrutura da Qualidade no país é composta por cinco instituições e a Cgcre – Inmetro, o LNMRI, Observatório Nacional/Laboratório Nacional da Hora (ON/LNH), Associação Brasileira de Controle da Qualidade (ABCQ) e Associação Brasileira de Normas Técnicas. [19]
O Codex Alimentarius é um programa conjunto da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) para desenvolver normas internacionais para alimentos. Este processo é denominado Normalização e definido como a “formulação e a aplicação de regras para a solução ou prevenção de problemas, com a cooperação de todos os interessados, e, em particular, para a promoção da economia global”. Tipicamente, as normas são de uso voluntário, isto é, não são obrigatórias por lei. A ABNT é a instituição brasileira de referência em Normalização. [20]
As normas elaboradas para compor o Codex Alimentarius abrangem assuntos gerais como resíduos de pesticidas, de medicamentos veterinários, aditivos, rotulagem, inspeção e certificação, métodos de análise e amostragem, nutrição e higiene. [21] A Coordenação e a Secretaria Executiva do Comitê Codex Alimentarius do Brasil são exercidas pelo Inmetro e o brasileiro Guilherme Costa foi reeleito para a Presidência Mundial da Comissão Codex Alimentarius. [22]
Conclusão
Três funções de Tecnologia Industrial Básica contribuem para os temas dos ODS 1 e 3 – Metrologia Legal, Avaliação da Conformidade e Normalização. As instituições que compõem a Infraestrutura da Qualidade do Brasil e que atuam nestes temas são o Inmetro, a Cgcre, o LNMRI e a ABNT. Acordos de Reconhecimento Mútuo são essenciais para a constituição de um sistema metrológico global, com o aceite generalizado dos resultados de medições. Entre os vários acordos que o Brasil faz parte, o artigo ressaltou quatro fóruns com participação ativa do Inmetro: CIPM – MRA, IAF, ILAC e Codex Alimentarius.
Fonte: Luciana e Sá Alves | Inmetro