Processamento de dados na espectrometria de massas
As principais partes do espectrômetro de massas (MS) já foram descritas na revista ANALYTICA (Edição 96 de Agosto de 2018), estas são: “Fonte de íons”, “Analisador de massas”, “Detector de íons” e os periféricos “Sistema de vácuo”, “Sistema de introdução da amostra” e “Processamento de dados”. O tema que exploraremos nesta edição é o processamento de dados na espectrometria de massas.
O sistema de processamento de dados na MS tem como objetivo coletar e armazenar os dados dos íons discriminados com relação a razão m/z do analisador de massas. Por meio destes dados o processador criará um espectro de massas, desenhando uma imagem em coordenadas cartesianas bidimensional, onde na abscissa, eixo x, denotará os íons discriminados pelo analisador segundo à sua razão m/z e na ordenada, eixo y, denotará a abundância, a intensidade ou número de íons que atingiu o coletor de íons numa determinada razão m/z.
No início da espectrometria de massas, J.J. Thomson concebeu como detector de íons, imagens parabólicas em placas fotográficas (ANALYTICA Edição 103). F.W. Aston também utilizou como detector de íons, linhas em placas fotográficas, para registrar os isótopos dos elementos, mas foi A.J. Dempster e A.O. Near que utilizaram o copo de Faraday como contador de íons que registraram em papel, criando o espectro de massas que até hoje é representado. Todos eles tiveram que achar meios para processar os dados de seus espectrômetros de massas. Thomson e Aston utilizavam meios óticos para quantificar os íons nas placas fotográficas, mesmo assim descobriram a maioria dos isótopos da tabela periódica. Near utilizou o registro do espectro de massas, em papel milimetrado. Para quantificar a intensidade iônica do espectro, ele calculou a área, em milímetros quadrados, de cada pico de massas utilizando a ajuda do papel milimetrado. A Figura 1(A) apresenta o gráfico de um espectro de massas do Selênio identificando os íons detectados obtidos no espectrômetro de massas MS-2 da Metropolitan Vickers. Vários espectros foram plotados num só gráfico com o objetivo de economizar papel. Alias, a qualidade do papel milimetrado descrevia a precisão das análises.
Em sua evolução o processador dos dados de massas foi adquirindo requinte analítico. Primeiramente um registrador com um motor mecânico de passos, dando a velocidade do papel milimetrado, com uma pena de tinta desenhava o espectro de massas. Logo, a Hewlett Packard comercializou o primeiro plotador x-y com penas coloridas, desenhando um espectro de massas a cada 90 segundos (Figura 1B). Mesmo assim, precisava utilizar o papel milimetrado para quantificar os íons detectados.
Com o advento dos computadores digitais, os espectrômetros de massas foram adaptando-se aos novos processadores de dados na espectrometria de massas. Foram projetados hardwares para converter os sinais analógicos do coletor de íons em dados digitais, onde um computador e softwares dedicados podem processar os dados e criar um espectro de massas digitalmente. Graças a este desenvolvimento o GC/MS e LC/MS puderam ter seus dados manipulados, de forma que os milhares de espectros de massas gerados pelo MS possam produzir o cromatograma final dos analitos detectados (Figura 2). Assim como também podem ser comparados os espectros de massas analisados pelo MS com um banco de dados constituído com milhares de espectros de massas padronizados, como os padrões de espectros de massas da NIST. Obtendo-se, assim, o analito procurado, inclusive dando uma porcentagem de acerto do analito em questão.
Hoje os computadores são componentes obrigatórios de todo sistema moderno de espectrometria de massas. Com a rápida evolução da informática, introduzindo conceitos e filosofias de integração de sistemas, como a Internet e a Indústria 4.0, pode ser observado a ampla adaptação do MS nos processos analíticos, fazendo a manipulação de dados em Nuvem e participando de ideias conhecidas como Big Data. Essa área de desenvolvimento permite ampliar o quadro de pessoal envolvido em várias atividades, como técnicos e profissionais da Tecnologia da Informação (TI) e Inteligência Artificial (IA). Esses conceitos envolvem a chamada convergência digital que é fundamental nos processos de inclusão em redes de computadores. Portanto, a criação de uma Eletrônica Dedicada, conhecida como Eletrônica Embarcada, ao MS é hoje um modelo tecnológico que exige profissionais qualificados neste setor, onde já existe um déficit de especialistas em TI na área de MS.
O computador tem duas funções principais no MS: A primeira é o controle do analisador, inclusive da aquisição de dados e a segunda é a manipulação dos dados armazenados. Isto é, controla a maioria das funções de operação do MS, inclusive periféricos como GC, LC e outros. Controla a ação de ligar e desligar do analisador, controla o sistema de vácuo, verificando eventuais vazamentos, inclusive detecta o local de vazamento funcionando no modo “Leak Detector” auxiliando a sua manutenção, otimiza todos os parâmetros elétricos e eletrônicos da fonte de íons por meio da emissão de elétrons do filamento, otimiza o analisador obtendo maior resolução das massas e otimiza o detector medindo a corrente elétrica do multiplicador de elétrons. Este é um conceito presente nas teorias de manutenção, como a Manutenção Para Produtividade Total. Nesta filosofia de manutenção, são desenvolvidas as ideias fundamentais como a Manutenção Corretiva, Preventiva e Preditiva. Tudo isso só é possível por causa dos sistemas de TI e AI moderno. Na Figura 3 apresenta um esquema como o sistema de processamento de dados opera, num espectrômetro de massas.
Para calibrar o espectrômetro de massas quadrupolar é utilizado um padrão interno de PFTBA perfluorotributylamine C12F27N. Este composto padrão gera um espectro de massas com uma ampla variedade de íons, m/z: 69, 100, 131, 201, 284, 484 e 614 (Figura 4) que afere a escala de massas do analisador. O computador calibra o analisador por meio das massas deste padrão e armazena na memoria para posterior utilização nas análises de rotina. O espectrômetro de massas é análogo a um sistema métrico, periodicamente tem que ser calibrado. Um espectrômetro de massas descalibrado analisa massas erradas.
O computador realiza tarefas mais complexas tais como, tomada de decisão necessária durante a aquisição de dados. Um exemplo desta tarefa é desligar a aquisição de dados quando a contagem total de íons, “Total Ion Current – TIC” de um espectro de massas ultrapassa os limites permitidos pelo MS, esta tarefa é acionada para proteger o filamento da fonte de íons e evitar o efeito memória.
O computador guarda na memória os dados coletados numa determinada análise para posterior avaliação do analista. Aliás é um software separado ao de aquisição de dados. Várias técnicas analíticas podem ser efetuadas utilizando os espectros de massas guardados na memória do computador tais como curvas analíticas para validação das análises. Utilização do modo “scan” ou varredura de todos os íons analisados ou selecionando só um ou vários íons que o analista está à procura do analito específico. Outra técnica muito prática na procura do analito é a subtração do ruído iônico, denominado “Background Subtract” ou mensurar a relação Sinal/Ruido ou “Signal/Noise” muito utilizada na quantificação dos analitos.
A combinação de avanços no desenho de novos instrumentos e hardware eletrônicos possibilitou um aumentou nas taxas de produção de íons e de aquisição de dados, em particular no espectrômetro de massas Tempo de Vôo ou “Time Of Flight – TOF”. Espectros de massas, com uma unidade de resolução em 0,5s encontrado nos instrumentos quadrupolo, em comparação com a coleção de dados de um sistema TOF, que podem ser produzidos em torno de 10.000 conjuntos de dados gerados em 0,5s com resoluções de até 60.000. O tamanho dos arquivos de dados vem aumentado ultimamente, especialmente para dados de LC-TOF/TOF. Graças a este desenvolvimento, a área das ômicas podem ser exploradas, estas são proteômica, metabolômica, pretrolômica entre outras. A quantidade de dados acumulados nestas áreas, levaram vários institutos a desenvolver softwares para produzir pacotes sofisticados na manipulação de dados como Mascot, Sequest, Mass Matrix entre outros, disponíveis na Internet, mas tem seu custo pelo desenvolvimento. Portanto o analista de espectrometria de massas tem que ter habilidade nos diferentes “softwares” disponibilizados junto com os analisadores de massas. Habilidade exclusiva para professionais com alto nível de instrução.
Referências bibliográficas
- Hoffman e V. Stroobant. “Mass spectrometry”. Edit. Wiley. 2007.
- Gross and R. Caprioli. “The development of mass spectrometry”. Edit. Elsevier Science Ltd. England. 2016.
*Oscar Vega Bustillos
Pesquisador do Centro de Química e Meio Ambiente CQMA do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares IPEN/CNEN-SP
55 11 3133 9343
www.vegascience.blogspot.com.br
[[Artigo disponível na íntegra na Revista Analytica Ed 107]]