“Hidrogênio verde” pode reduzir emissão de poluente na produção industrial de ferro

Produzido a partir de fontes renováveis, o uso de “hidrogênio verde” para transformar minério de ferro em ferro metálico e aço pode tornar a produção mais eficiente e reduzir as emissões de dióxido de carbono (CO₂), um dos maiores poluentes emitidos pelas indústrias. Esta é a conclusão de uma pesquisa realizada na Escola Politécnica (Poli) da USP que analisou o processo por meio de experimentos. O estudo desenvolveu um modelo matemático detalhado, que abrange múltiplas escalas, desde a microscópica, dos grãos que compõem cada pelota de minério, até a do forno industrial. Os resultados contribuirão com a identificação mais precisa de estratégias para melhorar o desempenho e viabilizar a aplicação da tecnologia.
A pesquisa é descrita no trabalho de doutorado que venceu a 14ª edição do Prêmio Tese Destaque USP na categoria Engenharias. “O processo convencional de produção de ferro, realizado em alto-forno, é altamente emissor de CO₂”, declara ao Jornal da USP a engenheira química Patrícia Metolina, autora do estudo.
“A indústria siderúrgica é responsável por cerca de um terço das emissões industriais de CO₂, segundo estatística de 2014 do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e por aproximadamente 7% das emissões globais, conforme dados de 2020 da Agência Internacional de Energia (IEA).”
“A tecnologia de redução direta do minério de ferro com hidrogênio (H-DR) investigada no trabalho, alternativa à produção em alto-forno, dispensa o uso de coque como combustível e a fusão do minério, gerando apenas vapor d’água como subproduto, uma solução promissora para reduzir significativamente o impacto ambiental da produção”, explica a engenheira.
“O processo baseia-se em reações gás-sólido não catalíticas, onde o sólido, o minério, reagem com o gás, o hidrogênio (H2). Dessa forma, o reagente sólido participa ativamente das reações, sofrendo uma série de transformações estruturais que ocorrem desde a escala atômica e influenciam, de forma hierárquica, a escala macroscópica do forno industrial.”
Melhor qualidade
Na pesquisa, o processo de produção foi analisado por meio de uma abordagem integrada, combinando experimentos e simulação computacional em multiescala com o desenvolvimento de um modelo matemático rigoroso e detalhado. “A análise multivariada de diversos parâmetros através das simulações permitiu identificar desde características estruturais microscópicas até parâmetros operacionais na escala industrial que melhoram consideravelmente o processo, possibilitando adotar estratégias de otimização e melhorar a qualidade do produto”, relata Patrícia Metolina. “Alguns exemplos são o uso de temperaturas mais baixas e menor consumo de hidrogênio, além da produção de pelotas com maior concentração de ferro.” Pelotas são pequenas esferas de minério de ferro, obtidas a partir do processamento do mineral bruto, que na natureza encontra-se misturado a outros materiais.
A engenheira afirma que algumas indústrias siderúrgicas estão em fase de testes e projetos piloto para viabilizar a produção de ferro por meio da redução direta com hidrogênio (H-DR), usando hidrogênio gerado a partir de fontes renováveis, como energia solar e eólica, o chamado “hidrogênio verde”. “No entanto, para que essa rota tecnológica se torne viável comercialmente em larga escala é essencial que o ‘hidrogênio verde’ se torne competitivo em termos de custo, disponibilidade e infraestrutura de fornecimento”, conclui.
A pesquisa faz parte da tese de doutorado Processo de produção de ferro usando redução direta com hidrogênio para zerar a emissão de CO2: um estudo em multi-escala das reações gás-sólido não catalíticas, defendida no Departamento de Engenharia Química da Poli, orientada pelo professor Roberto Guardani. Parte do trabalho foi realizado no Laboratório de Processos Metalúrgicos do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), com a colaboração dos pesquisadores André Luiz Nunis e Tiago Ramos Ribeiro, e em um estágio no Mass and Energy Transfer Laboratory at Worcester Polytechnic Institute (WPI), Estados Unidos, supervisionado pelo professor Anthony Dixon.
O estudo teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), como parte de um projeto coordenado pelo IPT, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Mais informações: pmetolina@usp.br, com Patrícia Metolina
Matéria – Jornal da USP, Texto: Júlio Bernardes
Arte: Gustavo Radaelli*
Imagem – Para viabilizar a produção em larga escala de ferro por meio da redução direta com hidrogênio obtido a partir de fontes renováveis, como energia solar e eólica (“hidrogênio verde”), é preciso que tecnologia se torne competitiva em termos de custo, disponibilidade e infraestrutura de fornecimento – Imagem: Fornecida pela pesquisadora ao Jornal da USP