Cientistas desenvolvem simulador solar para produção de combustíveis

A energia solar é uma das principais apostas para a transição energética: é esperado que, até 2050, essa fonte represente um quarto do total de fontes de energia disponíveis no mundo. No nível laboratorial, apesar de suas vantagens, a energia solar tem suas limitações: os experimentos são dependentes da incidência de radiação, do ciclo diurno e, de maneira geral, das condições atmosféricas no período de testes. Por isso, pesquisadores do Laboratório de Sistemas Energéticos Alternativos (Sisea) da Escola Politécnica (Poli) da USP criaram um equipamento que simula a energia solar dentro do laboratório.
O equipamento é composto de oito lâmpadas de arco de xenônio de alta temperatura. A iluminação vinda deste elemento permite alcançar alto brilho e intensidade, e se aproxima do espectro solar. A luz emitida em raios colimados – ou seja, quase paralelos – é refletida por um conjunto de espelhos parabólicos e atinge uma pequena câmara negra.
A câmara negra é revestida por tecidos para evitar o superaquecimento do ambiente – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
A geometria aponta que, em uma parábola, qualquer raio que incide paralelamente ao eixo de simetria, converge para o foco. Os pesquisadores se aproveitaram desse conceito para posicionar a câmara negra no foco dos espelhos parabólicos. Dessa forma, eles garantem que quase 100% da radiação emitida pelas lâmpadas se concentre na região desejada.
Princípios básicos da geometria e da física orientam a operação do equipamento. Na representação gráfica de uma parábola, existe um ponto conhecido por ‘foco’ (F) que está sempre na mesma distância que a reta diretriz, uma reta perpendicular ao eixo de simetria. Por exemplo, se identificarmos uma parábola na posição 0 com um foco a 2 metros de distância na posição 2m, a diretriz deve estar na posição -2m – Gráfico: Jornal da USP
Principais produtos
A energia térmica concentrada é tão grande que equivale à radiação de mil a 2 mil Sóis: a região da cavidade pode aquecer até 2.000ºC. O professor da Poli José Simões, coordenador do Laboratório Sisea, explica, em entrevista ao Jornal da USP, que essas condições viabilizam experimentos que demandam alta energia de ativação – como a produção de combustíveis.
O simulador pode ser usado para a produção de hidrogênio verde, gás de síntese (syngas), gás natural e monóxido de carbono. “Além de todas essas produções, também usamos o equipamento para aquecimento de água e produção de vapor nos ciclos térmicos”, comenta Simões.
O hidrogênio é produzido a partir da oxirredução de metais – processo em que há uma transferência de elétrons entre as substâncias. Já o gás de síntese é feito com a reação do metano (CH4) com vapor d’água (H2O).
Esses processos, assim como o do gás natural, são essenciais para o funcionamento de diferentes segmentos de indústrias. “O gás de síntese, por exemplo, tem várias utilidades: desde o acionamento de motores e máquinas até a combustão”, explica o professor.
Protocolo de segurança e diferenciais
Os engenheiros criaram mecanismos de segurança para prevenir riscos devido ao superaquecimento do sistema – as temperaturas devem ser altas o suficiente para fundir metais. As lâmpadas são revestidas por compartimentos de vidro, para evitar o escape de radiação ultravioleta e para conter os detritos da lâmpada em caso de explosão. Uma placa associada a um sistema de resfriamento também foi introduzida aos compartimentos. Além disso, se qualquer pessoa tentar abrir a porta da sala onde está o simulador, as lâmpadas desligam automaticamente.
“Todos os cuidados são necessários para a segurança do ambiente e dos envolvidos; houve testes em que até mesmo nossos materiais foram fundidos. É perigoso. Se alguém colocar a mão aqui, ela evapora” – José Roberto Simões
Um dos grandes diferenciais deste equipamento é o uso de espelhos parabólicos, ao invés de elipsoidais. As elipses contam com dois focos e, por isso, a dinâmica de reflexão dos raios é diferente da parábola. Nos principais simuladores comuns, a lâmpada é colocada em um dos focos e a câmara negra é posicionada no outro.
Simões explica que o equipamento construído com espelhos parabólicos simula a radiação solar em um ambiente externo de maneira mais realista, concentrando a luz em um só ponto. Por isso, apesar de ter sido construído para facilitar os experimentos indoor, ele também pode ser usado no ambiente externo – o que não acontece com tanta eficiência nos simuladores comuns.
O artigo Novel high-flux indoor solar simulator for high temperature thermal processes está disponível on-line e pode ser lido aqui. O trabalho recebeu financiamento da Fapesp.
Mais informações: e-mail jrsimoes@usp.br
*Estagiária sob orientação de Fabiana Mariz
Matéria – Jornal da USP
Texto: Beatriz La Corte*
Arte: Simone Gomes
Imagem – Após anos de estudo, o aparelho já está pronto para uso – Foto: Marcos Santos/USP Imagens