Pesquisa da USP propõe modelo de governança experimentalista para impulsionar bioeconomia na Amazônia

Diante dos desafios globais como as mudanças climáticas, uma pesquisa da USP sugere a adoção de um modelo de governança experimentalista e multinível para impulsionar a bioeconomia na Amazônia. A proposta busca fortalecer cadeias produtivas da sociobiodiversidade – sistema que integra diversidade biológica e sistemas socioculturais – por meio da colaboração entre comunidades locais, organizações da sociedade civil, setor público e iniciativa privada. O modelo considera aspectos como geração de renda, saúde, bem-estar, valorização da cultura e conhecimentos tradicionais dos povos amazônicos, além da conservação ambiental. A implementação da governança experimentalista se dá com projetos pilotos em pequena escala.
“A redução do desmatamento na Amazônia depende da implementação de sistemas de governança multinível que promovam práticas de manejo sustentável, equilibrando benefícios ambientais e o desenvolvimento socioeconômico local”, afirma Vanessa Pinsky, autora do estudo. Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe-2024) indicam que a Amazônia brasileira perdeu ao menos 17% de sua cobertura florestal, em grande parte devido à extração ilegal de madeira, expansão agrícola e incêndios florestais. As florestas tropicais são essenciais na regulação do clima global, atuando no armazenamento de carbono e na mitigação das mudanças climáticas. A bioeconomia, segundo a pesquisadora, “emerge como uma alternativa para a conservação e o uso responsável dos recursos naturais, além de contribuir para o desenvolvimento socioeconômico inclusivo na região”.
A pesquisa foi realizada na Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP e faz parte do pós-doutorado de Vanessa Pinsky, supervisionada pelo professor Jacques Marcovitch. O trabalho envolveu dezenove entrevistas realizadas com especialistas do governo, sociedade civil, academia e setor privado. Os resultados foram publicados na Revista de Administração Contemporânea, com a coautoria de Adalberto Val, pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).
“A bioeconomia, embora esteja em seus estágios iniciais de desenvolvimento e ainda conte com uma literatura bastante limitada, enfrenta um grande desafio: o de identificar e implementar soluções inovadoras que sejam viáveis em um contexto de recursos naturais cada vez mais restritos e em constante escassez, além de estar imersa em um cenário de mudanças rápidas e imprevisíveis”, relata Marcovitch.
Bioeconomia: prioridade nacional e internacional
Segundo o estudo, a governança de políticas públicas em bioeconomia é um tema estratégico e em crescimento no Brasil e no exterior. No País, o tema se tornou prioridade com a criação da Secretaria Nacional de Bioeconomia, em 2024, pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. A iniciativa levou à formulação da Estratégia Nacional de Bioeconomia, que servirá de base para elaboração do Plano Nacional de Desenvolvimento da Bioeconomia (PNDBio) nos próximos anos.
“Com a proximidade da COP 30 – Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, que será realizada em Belém (Pará), em novembro, a governança de políticas públicas em bioeconomia amazônica também se tornou tema emergente de pesquisa e de grande relevância para o Brasil”, destaca a pesquisadora.
No cenário internacional, o conceito de bioeconomia começou a ganhar relevância no início dos anos 2000, impulsionado por uma agenda voltada para biotecnologia adotada pela União Europeia e pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Inicialmente, a abordagem visava uma economia baseada em biomassa para a transição de combustíveis fósseis na produção de energia e materiais para insumos de base biológica da agricultura.
Segundo a pesquisadora, os resultados do estudo devem contribuir para a construção do Plano de Bioeconomia do Estado do Amazonas, atualmente retomado pelo governo estadual. Como parte desse processo, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico, Tecnologia e Inovação (Sedecti) e a Fundação Amazônia Sustentável (FAS) firmaram um Acordo de Cooperação Técnica (ACT) no último mês de fevereiro para estruturar o plano. O acordo prevê suporte técnico e de gestão na elaboração do plano, incluindo organização de conteúdo, consultas com partes interessadas e assessoramento técnico.
Para o professor Marcovitch, o estudo de sua orientanda contribui de forma significativa para a área, enriquecendo tanto o conhecimento teórico quanto as aplicações práticas desse tema dinâmico. No trabalho de pós-doutorado, Vanessa oferece uma análise teórica sólida e recomendações práticas e claras voltadas para a obtenção de resultados sustentáveis e de longo prazo. Os conteúdos produzidos por Vanessa já são de conhecimento de líderes responsáveis pelo aprimoramento do bem-estar humano e na conservação da natureza, sediados no governo federal, no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e em estados que compõem o bioma Amazônia.
Governança experimentalista
O modelo de governança experimentalista para a política pública em bioeconomia recomendado para a Amazônia baseia-se em quatro pilares: estabelecimento de metas e métricas amplas; implementação conduzida por atores locais com autonomia para desenvolver soluções; monitoramento contínuo com revisão dos resultados por especialistas; e ajustes nas diretrizes e métricas a partir da experiência prática. O modelo permite testar e aprimorar estratégias antes da implementação em larga escala, tornando a governança mais eficiente e adaptável às realidades da Amazônia.
De acordo com o estudo, um sistema de governança experimentalista é implementado por meio de projetos pilotos que testam, em pequena escala, iniciativas e modelos de negócios sustentáveis antes de sua ampliação para outras regiões. A abordagem envolve participação multissetorial, reunindo governos em diferentes níveis (federal, estadual e municipal), empresas, Organizações não Governamentais (Ongs) e comunidades tradicionais no processo decisório. Além disso, a ciência e a tecnologia são empregadas no monitoramento do desmatamento por satélite, no uso de inteligência artificial para manejo sustentável e na aplicação da biotecnologia à biodiversidade. Centros de inovação e pesquisa também são criados para desenvolver soluções sustentáveis.
O modelo proposto prioriza a adaptação e o aprendizado contínuo, com ajustes baseados em resultados e impactos observados, visando à replicação de boas práticas e correção de falhas. O desenvolvimento sustentável é impulsionado pelo incentivo a cadeias produtivas da sociobiodiversidade como as de castanha-do-brasil, açaí, cacau e biofármacos. A capacitação e inclusão de comunidades indígenas e tradicionais na economia verde são, ainda, pilares essenciais da iniciativa.
Segundo os pesquisadores, a implementação de um sistema flexível de governança na política pública exige a adoção de arranjos institucionais variados. A revisão por pares, característica da governança experimentalista, é um mecanismo que facilita o aprendizado contínuo entre atores públicos e privados nos níveis local, estadual e municipal. Esse processo envolve monitoramento constante e consulta entre diferentes envolvidos, promovendo a responsabilização, sem depender de uma estrutura hierárquica tradicional na formulação de regras e procedimentos.
O modelo evolui com base nas experiências bem-sucedidas (ou não) no nível local, onde muitas vezes a implementação se dá por atores da sociedade civil organizada. Os atores locais têm autonomia para implementar as suas próprias soluções de acordo com as circunstâncias, mas devem reportar os resultados às entidades de nível superior (governo subnacional), responsáveis pela coordenação da política pública.
“A adoção desse modelo pode reduzir desigualdades regionais ao adaptar soluções às realidades locais e fortalecer a confiança na política pública, promovendo maior legitimidade e participação social”, conclui Pinsky.
A pesquisa teve o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), e faz parte do grupo de pesquisa Projeto Bioeconomia FEAUSP. O artigo Experimentalist Governance in Bioeconomy: Insights from the Brazilian Amazon está disponível on-line e pode ser lido neste link.
Mais informações: Vanessa Pinsky, pinskyvanessa@gmail.com, e Jacques Marcovitch, jmarcovi@usp.br
Matéria – Jornal da USP
Texto: Ivanir Ferreira
Arte: Simone Gomes