Em tempos de pandemia
Ainda não é bem conhecida como foi a primeira infecção. Provavelmente a partir de contatos com animais silvestres, como aliás têm sido muitas das infecções de humanos ao longo dos tempos. Dessa vez começou na China. Como mais uma dessas levas de infecções que tivemos e temos tido. Mas não parecia ser muito complicada, pois os efeitos na maior parte das pessoas não eram muito fortes. Mais intensos nos idosos. Como sempre. Mais uma gripe…
Mas essa enfermidade, diferente das anteriores, tem um tempo razoável de incubação e alta transmissibilidade. De repente o mundo começa a se deparar com uma expansão inimaginada. Cresce exponencialmente o número de casos e as mortes se avolumam. Sistemas de saúde entram em colapso. Alguns governos percebem o perigo iminente e impõe medidas de restrição de movimento e isolamento social. Outros não o fazem a tempo, e suas populações pagam um alto preço. No Brasil, impera uma situação contraditória, em que o governo federal inicialmente nega a gravidade, depois minimiza e volta-se contra políticas de contenção de governos estaduais e municipais. As orientações confusas confundem a população e superamos a marca de 1 milhão de infectados (números oficiais, pois estima-se altíssima subnotificação, dada a baixa testagem da população).
Em tempos tão difíceis, onde a previsão do futuro imediato torna-se um desafio, a metrologia e seus princípios básicos devem ser guias necessários para minimizar sofrimentos e orientar ações.
Num primeiro plano, as estimativas de cenários futuros, sejam imediatos, sejam de médio prazo, exigem domínio de ferramentas estatísticas e a compreensão das incertezas inerentes envolvidas nessas previsões. Medidas de isolamento têm se mostrado, efetivamente, como as ações mais eficazes. Mas a superação da dinâmica de expansão virá com a descoberta de medicamentos e com a descoberta de vacina.
O período em que vivemos, além de todas as incertezas, também assiste a manifestações preocupantes de negação da ciência. Não basta encontrarmos vacinas quando ouvimos em muitos lugares vozes contrárias ao uso de vacinas. Inclusive percebe-se a diminuição da cobertura vacinal no Brasil e em outras partes do mundo, o que permitiu a ressurgimento de doenças até então erradicadas, como o sarampo. Nunca a afirmação da ciência e de seus métodos foi tão importante.
As ações imediatas têm se concentrado na busca por medicamentos e nas ações de prevenção e suporte aos mais enfermos. Mas é necessário termos uma estimativa clara do número de infectados. E por isso os testes são tão necessários. Os diversos níveis de governos tem buscado aumentar os testes. No Brasil, para cada infectado notificado, pouco mais de duas pessoas foram testadas. Nos países com alta incidência de infectados, os níveis de testagem por milhão de habitantes são de 10 a 15 vezes maiores do que aqui. Os testes devem ser feitos por pessoal treinado e requerem cuidados. Contudo, testes rápidos estão sendo comercializados até mesmo em farmácias e aplicados por pessoal não especializado e sem equipamentos de proteção. Mas muitos desses testes têm resultados falso negativo em porcentagem altíssima. O grande risco é que o resultado negativo possa levar a uma pessoa infectada a relaxar em medidas de cuidado e tornar-se um transmissor eficaz da doença.
A busca por medicamentos deve ser feita de acordo com protocolos bem definidos e com as devidas cautelas. Muitos medicamentos surgem como candidatos a atenuar os efeitos ou mesmo curar a COVID-19. Diante da tragédia, apressam-se em afirmações duvidosas e muitas notícias falsas. Assim, as instituições científicas são os norteadores necessários aos órgãos de gestão da saúde.
Junto à testagem, tem sido divulgado o uso de oxímetros para medição do nível de oxigenação. A COVID-19, assim como outras síndromes respiratórias agudas, apresenta níveis baixos de oxigenação. Contudo, nesses tempos de pandemia, de tudo se oferece e se compra. Oxímetros devem ter selo do Inmetro e Anvisa e seguir os regulamentos metrológicos. O uso de instrumentos não certificados podem trazer sérias complicações. Pois novamente, indicações erradas ou equipamentos sem calibração podem levar a decisões equivocadas.
Ao mesmo tempo, há um esforço grande em produção de equipamentos de proteção individual e de respiradores. Depois de certa controvérsia, acredita-se que o uso de máscaras tem eficácia como barreira protetora à disseminação do vírus. Mas de novo, existem máscaras e máscaras. E usos e usos. Máscaras de produção domésticas tem eficácia mais reduzida e devem ser usadas com o devido cuidado. Na construção de respiradores também devem ser observados princípios metrológicos básicos. Saber se o equipamento produz ventilação em volume e pressão adequados requer que sejam feitas medições com instrumentos calibrados e em instalações com competência certificada. Caso contrário, estaremos, mais uma vez, colocando em risco a vida de pessoas, por não obediência a princípios básicos.
O melhor remédio contra a atual situação é a ciência. Ciência nos informa sobre que medidas e por onde devemos caminhar. Nos alerta contra possíveis erros e nos prepara para enfrentar esse terrível inimigo. A metrologia, como ciência transversal e base de outras áreas do conhecimento, deverá ser a garantia da qualidade de processos e produtos que são oferecidos à população, par que possamos atravessar de forma menos dolorosa esse momento.
[[Artigo disponível na íntegra na Revista Analytica Ed 107]]