Edição 110 | Resíduos das indústrias de transformação
O desenvolvimento da população mundial, somado ao aumento do poder aquisitivo da sociedade nos últimos anos tem contribuído para um consumo muito elevado dos produtos industrializados, gerando um volume muito grande de resíduos. Uma parte destes resíduos pode ser reciclada, todavia, é de conhecimento que o percentual de aproveitamento ainda é muito baixo. Observa-se uma grande quantidade de resíduos industriais que não são reciclados, sendo direcionados para aterros industriais causando prejuízos econômicos e impactos ambientais. O reaproveitamento de resíduos não-recicláveis vem crescendo muito nos últimos anos, muitas pesquisas tratam esse assunto que é de grande interesse da sociedade.
Um fato que não corrobora para a implantação de um sistema otimizado de direcionamento dos resíduos é a logística de remoção e transporte, no que tange os custos envolvidos e os interesses econômicos. Uma solução muito viável seria a instalação das indústrias que utilizariam esses resíduos, nas vizinhanças das geradoras de resíduos.
Nos anos de 2010 a 2014 desenvolvi minha tese de doutorado utilizando resíduo sólido de couro para produzir um novo compósito.
A fabricação do couro que ocorre através da transformação das peles de animais em material imputrescível, implica em uma série de etapas denominadas de processos (mudanças ocorridas mediante reações químicas) e operações (etapas mecânicas)[[i]].
Dados estatísticos de uma produção de 3000 couros por dia estão apresentados na Figura 1, números revelam uma quantidade imensa de resíduo sólido gerado nas operações mecânicas.
Figura 1: Quantidades de resíduos sólidos gerados em uma planta de Curtimento de Couro.
Para esta produção é gerado 4,73 toneladas de resíduos sólidos, considerando a densidade do couro wet blue que é aproximadamente 0,25 g/cm3, obtemos um volume igual a 18,93 m3 de resíduos sólidos, por dia, que até hoje é direcionado para aterros industriais regulamentados e apropriados para receber esse tipo de resíduo.
Este resíduo segundo a ABNT/NBR-10.004 é classificado como classe I perigoso, possui pH ácido e presença de cromo trivalente (Cr+3) em média 3,5%, e de acordo com condições como exposição à acidez excessiva, temperatura e agentes químicos oxidantes pode resultar na produção de cromo hexavalente (Cr+6) que possui elevado potencial de contaminação cutânea e também pode promover alterações celulares causando diversos tipos de cânceres[[i]]. Entretanto, nos aterros regulamentados esse risco é inexistente.
A solução proposta foi utilizar este resíduo juntamente com a borracha natural e negro de carbono para produzir um compósito denominado BN/NF/Couro, com aplicação em pisos e revestimento antiestático (Patente INPI BR102015001534 8). O material foi desenvolvido e caracterizado em variados ensaios físico-químicos, principalmente de lixiviação e solubilização para garantir que o metal cromo ficaria inerte no compósito. O potencial de condutividade apresentado pelo compósito é equivalente a materiais semicondutores, com importante aplicação na dissipação de carga estática [[ii]].
A Tabela 1 e a Figura 2 apresenta os resultados de lixiviação e propriedade elétrica do compósito.
Tabela 1: Concentração de metais no lixiviado das amostras
BN/NF/Couro 60 phr.
Figura 2: Corrente elétrica versus curvas tensão obtida a 273 K e normalizada pelo fator geométrico para os compósitos BN/NF/Couro.
Como exemplo do citado anteriormente, a implantação da indústria de produção do revestimento antiestático próximo a regiões de alta concentração de curtumes contribuirá para redução do passivo ambiental, e implementará o setor econômico, destinando este resíduo sem ônus e com perspectiva de valorização, fechando o círculo da cadeia produtiva do couro.
Fonte: https://auin.unesp.br/tecnologias/68/composito antiestatico-produzido- com-resíduo-industrial-de-couro-
para-aplicação-como-piso-e-revestimento/eng.
[[1]] ABQTIC. Fazendo das Tripas Couro. Estância Velha: ABQTIC, 1996.
[[1]] MIRANDA FILHO, A. L.; MOTA, A. K. M.; CRUZ, C. C.; MATIAS, C. A. R; FERREIRA, A. P. Cromo hexavalente em peixes oriundos da Baía de Sepetiba no Rio de Janeiro, Brasil: uma avaliação de risco à saúde humana. Ambi-Agua, Taubaté, v. 6, n. 3, p. 200-209, 2011.
[[1]] Ruiz, M. R., Budemberg, E. R., da Cunha, G. P., Bellucci, F. S., da Cunha, H. N. and Job, A. E. (2015), An innovative material based on natural rubber and leather tannery waste to be applied as antistatic flooring. J. Appl. Polym. Sci., 132, 41297, doi: 10.1002/app.41297.
Autor:
Prof. Dr. Marcos Roberto Ruiz
Químico, Mestre em Química Analítica e Doutor em Ciência e Tecnologia dos Materiais, docente do Curso Técnico em Química do SENAI-SP, com atuação no desenvolvimento de Projetos Inovadores.
confira este e muito mais em nossa revista digital disponível Aqui