A Biorremediação como método para recuperação de áreas manchadas pelo petróleo
Na trajetória do derramamento de petróleo que já atingiu mais de 450 praias do litoral nordestino e chegou ao Espírito Santo, uma opinião prevalece entre todos os especialistas no tema: o ideal seria conter a substância tóxica ainda no mar. O que fazer, então, depois que o contaminante alcança areia, estuários e manguezais?
Cada ecossistema demanda uma técnica distinta, por isso, em Salvador, o Instituto de Geociências da Universidade Federal da Bahia (Igeo/UFBA) apresentou ao Comando Unificado de Incidentes, no dia 13 de outubro, uma minuta em que estão indicados métodos biotecnológicos de remediação.
São processos que aceleram a degradação dos compostos de petróleo já impregnados nas áreas afetadas, ou seja, realizam a limpeza da toxicidade microscópica, impossível de ser feita com o trabalho manual.
No entanto, 75 dias depois de a primeira praia do Nordeste ter sido atingida e um mês após a entrega da minuta de remediação, nenhuma ação neste sentido foi levada à prática pelo Comando Unificado ou pelo Grupo de Avaliação e Acompanhamento (GAA), formado pela Marinha, pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).
“O momento ideal de utilizar essas técnicas é agora. Quanto mais rápido agirmos, mais êxito se tem na remediação. Com o passar do tempo, essas substâncias vão se diluindo ou se misturando aos sedimentos, o que torna mais difícil a limpeza efetiva”, diz Olívia Oliveira, que é diretora do Igeo e há 12 anos coordena pesquisas para desenvolver métodos de remediação.
O superintendente do Ibama na Bahia, Rodrigo Alves, afirmou que todas as sugestões recebidas (não só as da minuta) foram encaminhadas à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR).
“Os métodos que envolvem o uso de produtos químicos são logo descartados. Mas os que são naturais estão em análise pela Defesa Civil”, disse Alves.
Métodos naturais
As técnicas desenvolvidas pelo Igeo e patenteadas pela UFBA, individualmente ou em parceria com a Unifacs (uma universidade privada de Salvador), aliam tecnologia e insumos encontrados facilmente nas costas baiana e nordestina, fazendo cair o custo e evitando o uso de produtos químicos — o que lançaria novas substâncias possivelmente tóxicas nas biotas já impactadas.
Todos os métodos já foram, inclusive, testados com amostras do próprio óleo que chega ao litoral brasileiro desde 30 de agosto.
“O que fazemos é usar organismos vivos para remover os poluentes do ambiente. Não adianta só tirar a poluição visual, é preciso eliminar os compostos invisíveis, como benzeno, tolueno e xileno, ou no mínimo diminuir a presença deles. Aí entra a biotecnologia, com diferentes indicações para cada ambiente”, explica Ícaro Moreira, que é professor da UFBA e já atuou na agência ambiental do governo canadense, justamente na área de remediação em episódios de derramamento de petróleo.
Para os casos em que o petróleo já se dissolveu na água, a indicação é utilizar microalgas que se alimentam do carbono contido nas substâncias tóxicas, o que elimina tais substâncias e a conseqüente contaminação.
Funciona como uma máquina de diálise: a água contaminada entra em um tanque (reator) onde estão as microalgas, que se abastecem do carbono. Em seguida, a água limpa é liberada de volta no ambiente.
Devidamente alimentadas e crescidas, as microalgas viram uma biomassa que pode ser utilizada para produção de biodiesel. “É um processo que não gera resíduo. A água fica limpa e a microalga pode virar um combustível também limpo”, explica Moreira.
Integrante da pesquisa em que tal método foi desenvolvido, Isadora Machado mostrou, em seu mestrado em Geoquímica, que num período de 28 dias as microalgas conseguiram eliminar 94% dos poluentes de amostras da chamada “água do petróleo” — um efluente resultante da produção petrolífera que é apontado como uma das “águas” mais poluídas do mundo.
“Torcemos para que esses métodos sejam aplicados, pois a pesquisa é pra isso. Pra dar um retorno para o meio ambiente e a sociedade”, observa Machado.
Em uma estimativa feita pelo professor Ícaro Moreira, um conjunto de reatores capaz de tratar 1,5 mil litros de água marinha a cada três dias custaria cerca de R$ 50 mil para implantação, com manutenção de R$ 7 mil por mês. Ao final do processo, entretanto, cada quilo de biomassa gerada poderia ser vendido por R$1 mil.
“No final das contas, a biomassa gerada paga as contas e ainda dá lucro. Isso é um exemplo bem claro do que nós chamamos de economia circular”, aponta Moreira.
Areia e manguezais
Para a areia da praia ou áreas de mangue e superfícies lamosas, cujas características físicas dificultam a limpeza manual e favorecem a impregnação das substâncias tóxicas, o remédio previsto na minuta entregue há um mês ao governo é a fitorremediação, ou seja, o uso de plantas, que devem ser identificadas no próprio ambiente atingido.
Ali, o cientista detecta qual espécie consegue se dar melhor na presença do contaminante, o que significa uma alta capacidade de fixação do carbono. Após tratamento em laboratório, várias dessas plantas são inseridas no ecossistema impactado, onde devem ser monitoradas por um período que vai de três a seis meses.
Assim como as microalgas, essas plantas vão se alimentar do poluente, tirando-o do ambiente. Ao final da limpeza natural, elas também podem ser destinadas para a produção de biocombustível.
Experimentos já realizados com o método em áreas contaminadas por petróleo no entorno da Baía de Todos os Santos mostram a eliminação de 89% dos compostos tóxicos em um intervalo de 90 dias.
Um detalhe: esse método serve também para áreas atingidas por esgoto (com limpeza de 100% de poluentes) e metais pesados, com êxito de 70% na eliminação, por exemplo, de chumbo, cobre e zinco.
Na minuta, consta ainda a possibilidade do uso de fibras de côco e sisal para retenção do óleo na água — técnica que poderia ter sido adotada pelo governo até mesmo para a construção de contenções em diferentes formatos e disposições, com o objetivo de proteger áreas mais sensíveis, como manguezais.
Nesse caso, as fibras utilizadas pelo Igeo são originárias do descarte das indústrias sisaleira e do côco. Tudo viraria lixo, mas, após tratamento em laboratório com produtos não tóxicos, os poros dessas fibras ganham 20 vezes mais capacidade de absorção.
Então, basta “empacotar” em pequenos ou grandes formatos para deter o óleo, que pode, mais uma vez, ser reaproveitado.
“Quando o petróleo começou a chegar em Salvador, nós mesmos pegamos a fibra e fomos para as praias. E foi muito eficiente para barrar o óleo ainda na água. O problema é que temos essas bolsas pequenas. Barreiras desse material poderiam ter evitado que muitos mangues fossem atingidos”, diz a mestranda Célia Maia, que desenvolveu o método junto com a colega de mestrado Rebeca da Paixão.
“Confesso que nunca imaginei ver algo desse tamanho no Brasil, mas aconteceu e estamos percebendo um despreparo do governo para lidar com a situação”, avalia Ícaro Moreira.
“Essa contaminação invisível pode levar muitos anos para metabolizar sozinha, influenciando no uso das praias, na economia da pesca e na alimentação das pessoas, pois vai sempre existir a dúvida sobre a contaminação ou não dessas áreas. Não dá pra ficar de braços cruzados esperando o tempo passar”, completa.
Patentes prontas à espera de recursos
Para além dos métodos descritos na minuta elaborada pelo Igeo, as técnicas biológicas mais difundidas de remediação — sem uso de substâncias químicas — envolvem a aplicação de fungos e bactérias nas áreas a serem descontaminadas.
Esse é o foco da pesquisa de Cristina Quintella, titular da UFBA que neste momento está em Portugal como professora visitante, testando novos métodos no Centro de Investigação em Energia e Ambiente do Instituto Politécnico de Setúbal (IPS).
“As técnicas existem e não são poucas. Estão todas testadas e patenteadas, prontas para aplicação. A maior parte das patentes é registrada na China, mas são tecnologias já em domínio público”, diz Quintella, co-autora da mais atualizada revisão global de patentes de biorremediação para áreas atingidas por óleo, publicada em julho deste ano pelo Journal of Environmental Management.
Ela explica que, com os fungos e bactérias, o processo é semelhante ao das microalgas e plantas.
Primeiro, o pesquisador identifica os microorganismos na praia ou no manguezal impactado — nunca se deve usar microorganismos extraídos de outros ecossistemas, para não proliferar uma praga que vai gerar desequilíbrio.
Em seguida, o volume dessas bactérias e fungos é multiplicado em laboratório. Reinseridos na biota, eles vão se alimentar dos compostos de petróleo e limpar o ambiente.
“Sabe criança que não quer comer e você dá uma bala pra abrir o apetite? É a mesma coisa. A gente bota os fungos lá com uma comidinha. Depois que acabar, eles vão precisar de mais comida, então vão comer as moléculas do petróleo”, explica Quintella.
Quando o poluente se esgota, prossegue a professora, os fungos e bactérias ficam sem alimento e começam a morrer, restando somente o volume da população original daqueles microorganismos, o que refaz o equilíbrio do ecossistema.
Quintella evita fazer uma estimativa de custos da aplicação do método, pois depende de variáveis como tamanho da área atingida, volume do material de laboratório e tempo de monitoramento.
A professora afirma, entretanto, que a depender do contexto e da fonte de financiamento, recursos para deslocamento, hospedagem e alimentação dos cientistas que vão a campo ou até a mesmo a partilha na utilização de equipamentos podem ser suficientes para que seja aplicada a biorremediação em determinadas áreas.
“Bem ou mal, da água se tira o óleo. O problema é o que fica nos solos e nos mangues. É para isso que existem esses métodos, que são inclusive bastante simples e o governo pode pagar. Basta ter vontade”, conclui.
Com informações de BBC News.