Aspectos microbiológicos nos estudos de estabilidade farmacêuticos: importância do controle de qualidade
De acordo com as normas vigentes, os estudos de estabilidade de medicamentos devem ser realizados sob diversas condições de temperatura e umidade. A incubação dos produtos em diferentes temperaturas e condições de umidade tem o objetivo de verificar a estabilidade do produto nas diversas regiões do pais.
Sabe-se que Anvisa, através da RE nº 1 de 2005, normatizou a realização dos estudos de estabilidade de produtos farmacêuticos com o objetivo de determinar e acompanhar o seu prazo de validade.
A regulamentação atual sobre o tema está dividida em quatro normas diferentes, além de existirem diversas recomendações em outros documentos da Anvisa, prejudicando a compreensão dos critérios. Os regulamentos não têm abrangência total sobre o tema e falta clareza sobre os requisitos para estudos de estabilidade, o que motiva interpretações subjetivas.
Os estudos de estabilidade de longa duração levam 2 anos ou mais, enquanto os estudos acelerados levam cerca de 6 meses. Considerando o investimento de tempo e de recursos, é necessário que as empresas que desenvolvem medicamentos tenham certeza sobre a validade dos estudos para análise pela Anvisa.
A revisão das regras também faz parte do processo de aceitação da Anvisa no International Conference on Harmonisation (ICH), um conselho internacional dedicado à harmonização dos requisitos técnicos para medicamentos humanos.
Em dezembro de 2017, foi publicada a consulta pública nº 453 que altera a RE nº 1 e atualiza os critérios para a realização de estudos de estabilidade de insumos farmacêuticos ativos e medicamentos, exceto biológicos. Com a conclusão desta fase inicial, aguarda-se a publicação da nova norma.
Assim, nesta edição da revista Analytica, focaremos nos aspectos microbiológicos dos medicamentos estéreis e não estéreis, com um foco concentrado no último.
Em primeiro lugar, a estabilidade dos produtos não estéreis deve considerar a carga microbiana dos excipientes, matérias primas ativas (ifas) e as condições ambientais de fabricação. Tal informação pode ser obtida na 5º edição da Farmacopeia Brasileira, manual produzido pela Anvisa, na qual informa os limites microbianos.
A contaminação microbiana de um produto não estéril (especialidade e matéria-prima farmacêutica) pode conduzir não somente à sua deterioração, com as mudanças físicas e químicas associadas, mas também ao risco de infecção para o usuário. Consequentemente, os produtos farmacêuticos orais e tópicos (cápsulas, comprimidos, suspensões, cremes, etc.) que não são estéreis devem ser submetidos aos controles da contaminação microbiana.
A garantia de qualidade e os controles de produção devem preconizar que os micro-organismos capazes de proliferar e contaminar o produto estejam dentro dos limites aceitáveis. Os limites microbianos devem ser adequados às várias categorias de produtos que reflitam o tipo de contaminação mais provável introduzida durante a fabricação, bem como a via de administração, o consumidor final (neonatos, crianças, idosos, debilitados), o uso de agentes imunossupressores, corticosteroides e outros fatores. Ao avaliar os resultados dos testes microbiológicos, o número e os tipos de micro–organismos presentes devem ser considerados no contexto do uso do produto proposto.
O teste microbiológico de produtos não estéreis e de matéria-prima para uso farmacêutico é realizado segundo a metodologia descrita em ensaios microbiológicos para produtos não estéreis, também descrito pela Farmacopeia Brasileira. Além da descrição metodológica dos ensaios, o manual também oferece os limites de aceitação, interpretados do seguinte modo:
– 101 UFC: valor máximo aceitável = 20
– 102 UFC: valor máximo aceitável = 200
– 103 UFC: valor máximo aceitável = 2000 e, assim sucessivamente.
Entretanto, há um grande questionamento quanto aos valores máximos aceitáveis, quando desenvolvemos uma formulação de um comprimido, por exemplo, devemos considerar a qualidade microbiológica dos excipientes, das matérias primas ativas e das condições de fabricação. Assim, é inaceitável em um estudo de estabilidade no qual dados iniciais apresentam um limite de 102 UFC, que seja aceito uma contagem de 200 UFC ou mais.
A repetição dos valores máximos aceitáveis devem ser objeto de uma reavaliação da formulação e das condições de fabricação, portanto a especificação final do produto não pode ser relacionada aos valores máximos aceitáveis.
Desta maneira, o valor máximo aceitável não deve fazer parte da especificação de liberação final do produto. Valores acima da especificação devem ser objeto de uma investigação pela Garantia de Qualidade.
Os produtos de uso múltiplo devem ser protegidos contra a contaminação microbiana por meio da adição de conservantes. O ensaio do desafio microbiano de conservantes deve ser realizado para todas formulações, antes do início dos estudos de estabilidade, uma vez que o produto pode estar contaminado com: Candida albicans ATCC 10231; Aspergillus niger ATCC 16404; Escherichia coli ATCC 8739; Pseudomonas aeruginosa ATCC 9027; e Staphylococcus aureus ATCC 6538.
A quantidade de conservante utilizada em uma formulação deverá ser a mínima necessária para a proteção do produto sem prejudicar o paciente ou consumidor. A eficácia antimicrobiana, seja ela inerente ao produto ou devida à adição de conservantes, precisa ser demonstrada para produtos tópicos múltipla-dose, produtos orais, oftálmicos, otológicos, nasais, fluidos de diálise, irrigação, entre outros.
Com relação aos produtos estéreis, os mesmos devem atender a especificação, sendo que o ensaio deve ser realizado no início e no final do estudo de estabilidade.
Bibliografia:
BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Farmacopeia Brasileira. 5ª Ed. Brasília, 2010. (pag 59 – 207).
BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução nº 1 Anvisa de 29/07/2005 – Guia para a Realização de Estudos de Estabilidade.
BRASIL, Ministério da Saúde. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Consulta Pública nº 453 de 28/12/2017 – Critérios para a Realização de Estudos de Estabilidade de insumos farmacêuticos ativos e medicamentos, exceto biológicos, e dá outras providências.