Entenda sobre a técnica de ionização por Electrospray na espectrometria de massas
Por Oscar Vega Bustillos*
A primeira conferência da Sociedade Brasileira de Espectrometria de Massas BrMASS foi realizada em novembro de 2005 na cidade de Campinas-SP. A conferência teve como destaque o ilustríssimo palestrante Prêmio Nobel John Beneth Fenn. No final da sua palestra, Fenn ressaltou que graças a sua pesquisa, a humanidade atingiu mais um passo para frente no entendimento da estrutura da matéria. Nas suas palavras: “Nós aprendemos como fazer os elefantes voarem”, referindo-se ao descobrimento da técnica de ionização Electrospray. Por meio desta técnica de ionização aplicada à espectrometria de massas, moléculas com massas molares acima de 1.000 Daltons (simbolicamente elefantes) são possíveis de serem ionizadas. Este descobrimento abre a possibilidade de explorar com mais detalhes as macromoléculas biológicas. Certamente a conferência BrMASS-2005 foi inesquecível.
A espectrometria de massas com ionização por electrospray (ESI-MS) foi introduzida em 1984 por Masamichi Yamashita e John B. Fenn. Anteriormente ao trabalho destes pesquisadores, em 1968, Malcolm Dole e colaboradores já haviam realizado trabalhos, que não foram suficientemente satisfatórios, com espécies poliméricas, sugerindo a aplicação desta técnica como um possível modo de ionização para espectrometria de massas.
Na ionização por electrospray (Figura 1) é formado um spray eletrostático da solução (analito) bombeada à um fluxo de alguns microlitros por minuto em um capilar metálico, sob um campo eletrostático, com uma tensão de 1 a 7 kV e cerca de 0,1mm de diâmetro interno. O capilar está posicionado a cerca de 1 a 3 cm de um contra-eletrodo que conduz através de um orifício ao sistema de amostragem do espectrômetro de massas. O alto campo elétrico na ponta do capilar gera um acúmulo de cargas na superfície do líquido por migração eletroforética, produzindo uma deformação na gota que recebe o nome de cone de Taylor. À medida que o solvente evapora com o auxílio de gases nebulizante e secante (Turbo Heater), há um aumento da densidade de cargas da gota e, no momento em que esta densidade de cargas é capaz de vencer a tensão superficial do líquido, há um colapso e fissão da gota ascendente formando gotas menores descendentes. As gotas descendentes sofrem o mesmo processo de dessolvatação da gota ascendente formando novas gotículas cada vez menores, com menor massa, porém, com maior densidade de cargas que as gotas ascendentes.
O processo de ionização por electrospray envolve três grandes etapas: 1) a produção da gota carregada na ponta do capilar, 2) a dessolvatação da gota carregada seguida de repetidas desintegrações para a formação de gotas menores e, 3) a formação dos íons na fase gasosa.
A intensidade do sinal de um analito no electrospray não depende exclusivamente da concentração deste analito em solução. Isto porque, a presença de outros eletrolitos no sistema é determinante na intensidade do sinal de um íon a ser detectado. A faixa linear do electrospray, onde a concentração do analito é proporcional à intensidade do seu sinal, está localizada entre 10-6 e 10-3 mol L-1. A presença de eletrólitos interferentes na solução podem alterar esta seção linear, mas por outro lado, a determinação de concentrações do analito inferiores a 10-5 mol L-1 só é possível devido à presença de impurezas dos solventes que geralmente estão presentes nesta ordem de concentração.
A ionização por electrospay é uma técnica de ionização suave que é tipicamente utilizada para determinar os pesos moleculares de proteínas, péptidos e outras macromoléculas biológicas. A ionização suave é uma técnica útil quando se considera moléculas biológicas de grande massa molecular, como a supracitada, porque esse processo não fragmenta as macromoléculas em partículas carregadas menores, mas transforma a macromolécula em pequenas gotículas. Essas gotículas serão dessolvatadas em gotículas ainda menores, o que cria moléculas com cargas acopladas. Estes íons moleculares carregados e dessolvatados serão, então, guiados para o analisador de massas e detector, determinando a massa.
A Figura 2 apresenta análise de uma das moléculas biológicas mais importantes no ser humano, a hemoglobina. A análise desta molécula nos laboratórios clínicos via Eletroforese envolvia procedimentos analíticos tediosos e demorados, exigindo dias para a conclusão. No entanto, por ESI-MS a análise exige apenas horas de trabalho. Os íons gerados no electrospray são geralmente protonados [M+H]+ formando clusters, dímeros ou íons adutos.
Existem algumas vantagens claras na utilização de espectrometria de massa de ionização por electrospray como um método analítico. Uma delas é sua capacidade de lidar com amostras de grandes massas moleculares. Ideal para ser acoplada com a Cromatografia Líquida (HPLC), gera íons à pressão atmosférica sem necessidade de vácuo. Devido ser um modo de ionização branda, são formados íons sem fragmentação sendo ideal para acoplamento com espectrômetro de massas Tandem (Figura 1), onde no quadrupolo Q1, os íons precursores são selecionados, no Q2 denominada cela de colisão, os íons selecionados são fragmentados e no quadrupolo Q3, os íons produtos da fragmentação são monitorados. A sensibilidade para este instrumento é impressionante e, portanto, pode ser útil em medições quantitativas e qualitativas precisas.
Algumas desvantagens da espectrometria de massa por ionização por electrospray também estão presentes. Uma grande desvantagem é que essa técnica não pode analisar misturas, pois existe baixa confiabilidade nos resultados. A limpeza da fonte de ionização não é simples, podendo se tornar excessivamente contaminada com resíduos de análises anteriores. Finalmente, as múltiplas cargas associadas aos íons moleculares podem gerar dados espectrais confusos. Esta confusão é ainda alimentada pela utilização de uma amostra mista, o que é mais uma razão pela qual as misturas devem ser evitadas quando se utiliza um espectrômetro de massa por ionização por electrospray.
Figura 1. Diagrama esquemático da fonte de íons eletrospray acoplado a um espectrômetro de massas Tandem (ESI-MS/MS)
Figura 2: Espectros de massas da hemoglobina. O espectro superior apresenta os dados dos íons de cluster das globinas α e β obtido via ESI-MS. O espectro inferior é o espectro após a deconvolução na escala de massa verdadeira após a transformação via software.
Referências bibliográficas
- Ho, C.S. Electrospray ionization mass spectrometry. Clin. Biochem. Rev. 2003. Feb. 24(1): 3-12.
- Bruins, A. Mechanistic aspects of electrospray ionization. Chromatogr. A., 794 (1998) 345-357.
- Martins H.A. Estudo de determinação de resíduos de glifosato e AMPA em amostras de soja e água via LC-ESI/MS/MS. Dissertação IPEN 2005.