Seção Metrologia | Contribuições da Tecnologia Industrial Básica para a Agenda 2030 da ONU
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável Fome Zero e Agricultura Sustentável (ODS 2), Igualdade de Gênero (ODS 5) e Água Potável e Saneamento Básico (ODS 6)
Luciana e Sá Alves
Analista executivo em Metrologia e Qualidade (Inmetro), Bióloga e professora de Ciências e Biologia. Mestre em Educação (Puc-Rio) e doutora em Biotecnologia (Inmetro/UFRJ)
Contato: lsalves@inmetro.gov.br
Introdução
Este artigo é o quarto artigo de um série que vai tratar do potencial de integração entre as funções de Tecnologia Industrial Básica (TIB) e o atendimento aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a partir das discussões presentes nas publicações “O papel da Metrologia no Contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” [1] e “Reiniciando a Infraestrutura da Qualidade para um Futuro Sustentável” [2]. O primeiro artigo, intitulado “Tecnologia Industrial Básica e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, apresentou a definição de TIB e sua importância para o setor produtivo, a Agenda 2030 da ONU, os ODS e as publicações de referência. A partir do segundo artigo, o título de todos os artigos seguiu um modelo de manter o mesmo texto e modificar somente o subtítulo, adequando aos nomes dos ODS que serão discutidos e relacionados à TIB. O segundo artigo tratou dos ODS 1 – Erradicação da Pobreza e 3 – Saúde e Bem-Estar. O terceiro artigo discutiu a relação de TIB com os ODS 7 – Energia Limpa e Acessível, 9 – Indústria, Inovação e Infraestrutura e 13 – Mudanças Climáticas. A relação desses cinco ODS e a TIB foi estabelecida na publicação “O papel da Metrologia no Contexto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável” [1], produzida em conjunto pela UNIDO, pelo BIPM e pela OIML. Este quarto artigo inicia a apresentação das relações entre ODS e TIB abordadas no documento “Reiniciando a Infraestrutura da Qualidade para um Futuro Sustentável” , publicado em dezembro de 2019 pela UNIDO [2] . Este documento discute de 12 dos 17 ODS existentes na Agenda 2030 (ODS 1,2,3,5,6,7,8,9,12,13,14,15), mas os artigos apresentarão somente aqueles ODS que não foram discutidos no primeiro documento de referência [1]. Neste quarto artigo, os ODS abordados serão ODS 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável, ODS 5 – Igualdade de Gênero e ODS 6 – Água Potável e Saneamento. Os objetivos da série de artigos são apresentar as relações discutidas nos documentos de referência, agregar explicações sobre os termos utilizados e, também, sobre a infraestrutura da qualidade no Brasil.
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 – Fome Zero e Agricultura Sustentável
As oito metas do ODS 2 foram estabelecidas com o propósito de acabar com a fome, alcançar segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável. Alguns resultados esperados são [3]:
- o fim da fome e da desnutrição;
- a garantia de sistemas sustentáveis de produção de alimentos;
- a implementação de práticas agrícolas resilientes que aumentam a produtividade e a produção, ajudando a manter ecossistemas e a fortalecer a capacidade para adaptação às mudanças climáticas;
- a duplicação da produtividade agrícola e dos rendimentos dos pequenos produtores de alimentos;
- a correção e a prevenção de restrições comerciais e distorções na agricultura mundial.
Estes dois últimos resultados esperados com o atendimento ao ODS 2 têm relações estreitas com algumas funções de TIB.
Para dobrar os rendimentos dos pequenos produtores, o controle metrológico legal de balanças e dos produtos pré-medidos assegura as trocas comerciais justas e corretas, tanto no pagamento dos produtores como na venda dos produtos processados.
Um dos mecanismos para evitar as restrições comerciais é o estabelecimento de Acordos de Reconhecimento Mútuo que permitem a utilização dos resultados de ensaios e calibrações e de certificados para sistemas de gestão e produtos. A competência da entidade que fornece os resultados ou emite os certificados é reconhecida de forma independente por meio do processo de Acreditação, gerenciado, no Brasil, pela Coordenação Geral de Acreditação (Cgcre) que faz parte da estrutura organizacional do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). A Cgcre mantém sete acordos de reconhecimento (International Laboratory Accreditation Cooperation – ILAC; Interamerican Accreditation Cooperation – IAAC; International Accreditation Forum – IAF; American Aerospace Quality Group – AAQG; Program for the Endorsement of Forest Certification Schemes – PEFC; The Global Partnership for Good Agricultural Practice – Globalgap; Environmental Protection Agency – EPA) [4] e os resultados obtidos em laboratórios que compõem as Redes Brasileiras Calibração (RBC) [5] e de Laboratórios de Ensaio (RBLE) [6], dentro dos escopos dos acordos acima listados, eliminam a necessidade de re-ensaio de materiais e de produtos nos países importadores.
Para atestar a concentração de determinadas substâncias em produtos de origem agrícola, é necessário ter os padrões para estas concentrações, ou seja, materiais que tem a concentração conhecida. Esses materiais são chamados de Materiais de Referência Certificados (MRC), considerados os padrões metrológicos em análises químicas. Alguns MRC relacionados à produção agrícola são: 8741 Suco de Laranja, 8828 Compostos da Cachaça; 8848 Etanol em água; 8507 Carbamato de Etila (Cachaça); 8829 Clorofenicol em leite em pó (origem em medicamentos veterinários administrados ao rebanho); 8363 HPA Hidrocarbonetos Aromáticos Policíclicos (poluentes orgânicos persistentes no ambiente com origem em pesticidas). [7]
A Normalização, uma outra função de TIB, é relacionada à alimentação por meio do comitê técnico 34 da International Organization for Standardization (ISO TC-34). O comitê é formado por 16 subcomitês e nove grupos de trabalho, e discute temas como frutas, vegetais e produtos derivados; gorduras e óleos animais e vegetais; cacau; café; responsabilidade social e sustentabilidade. 903 padrões ISO já foram publicados e 101 padrões estão em desenvolvimento. [8] A Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) tem uma comissão espelho do grupo de trabalho ISO/TC 34/WG 16 Animal welfare que se chama ABNT/CEE-228 – Comissão de Estudo Especial de Bem-Estar Animal. [9]
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5 – Igualdade de Gênero
Por meio de nove metas, o ODS 5 pretende que o mundo alcance a igualdade de gênero e empodere todas as mulheres e meninas, criando uma sociedade mais equitativa e produtiva. [10] Nessa perspectiva, este ODS tem uma forte interação com o ODS 1- Redução da pobreza e o ODS 8 – Trabalho decente e crescimento econômico.
Em relação à Infraestrutura da Qualidade, o documento de referência [2] menciona a necessidade de considerar as diferenças de gênero em relação aos padrões e à padronização. O documento traz dois exemplos:
- os testes de colisão com manequins que reproduzem a anatomia de homens e desconsideram a anatomia de mulheres e de mulheres grávidas. Esses testes vão determinar a altura de instalação do cinto de segurança nos carros;
- padrões para configurações de ar-condicionado em escritórios são baseados na taxa metabólica de repouso de um homem de 40 anos, superestimando, em média de 20 a 30%, a taxa metabólica de mulheres.
Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 – Água Potável e Saneamento
Assegurar a disponibilidade e a gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos por meio do atendimento a seis metas é a descrição deste ODS. [11]
O documento de referência [2] descreve o contexto mundial relativo à água com dados de que mais de dois bilhões de pessoas são obrigadas a beber água contaminada, resultando em uma criança morrendo a cada minuto de cada hora de cada dia; 4,5 bilhões de pessoas carecem de saneamento; cerca de 2,5 bilhões de pessoas, 36% da população mundial, vive em regiões com escassez de água, onde mais de 20% do PIB global é produzido; a falta de água potável, saneamento e serviços de higiene são importantes fatores de risco para doenças infecciosas. O documento faz duas projeções muito graves para o futuro, que:
- em 2050, mais da metade da população do mundo e cerca de metade da produção global de grãos estará em risco devido a estresse hídrico; e
- a escassez intensa de água pode deslocar 700 milhões de pessoas até 2030.
A análise da água em laboratórios acreditados e a disponibilização de materiais de referência certificados para contaminantes, como os HPA mencionado na discussão sobre o ODS 2, são contribuições que a infraestrutura da qualidade pode oferecer para monitorar a qualidade da água.
No Brasil, os hidrômetros, medidores de água, são instrumentos sujeitos a procedimentos de metrologia legal. As Portarias Inmetro 246/2000, 012/2011 e 436/2011 são aplicadas a hidrômetros para água fria, de vazão nominal até quinze metros cúbicos por hora. [12] A Avaliação da Conformidade atua na Certificação compulsória de equipamentos para consumo de água (Portaria Inmetro n.º 344 de 22/07/2014) e há um Regulamento Técnico para reservatório de água potável (Portaria Inmetro n.º 224 de 27/07/2009) [13] A ABNT, em uma notícia sobre o Dia Mundial da Água, listou um comitê brasileiro e quatro comissões de estudo que estão envolvidos no tema. São eles: ABNT/CB 038 – Gestão Ambiental; ABNT/CEE 065 – Recursos Hídricos; ABNT/CEE 106 – Análises Ecotoxicológicos; ABNT/CEE 166 – Serviços de Abastecimento de Água e de Esgotamento Sanitário; ABNT/CEE 177 – Saneamento Básico. [14]
Conclusão
Este artigo apresentou os três primeiros ODS que são discutidos no documento “Reiniciando a Infraestrutura da Qualidade para um Futuro Sustentável” [2] – ODS 2,5 e 6. Há outros quatro ODS que o documento discute e que ainda não foram apresentados em outros artigos desta série. Quatro funções de Tecnologia Industrial Básica contribuem para os temas dos ODS 2,5 e 6 – Metrologia , Avaliação da Conformidade, Regulamentação Técnica e Normalização. As instituições que compõem a Infraestrutura da Qualidade do Brasil e que atuam nestes temas são o Inmetro, a Cgcre e a ABNT.
Bibliografia
[1] UNIDO. BIPM. OIML. The Role of Metrology in the Context of the 2030 Susteinable Development Goals. Disponível em <https://www.bipm.org/utils/common/liaisons/unido-bipm-oiml-brochure.pdf>
[2] UNIDO. Rebooting Quality Infrastructure for a Sustainable Future. Disponível em <https://tii.unido.org/sites/default/files/publications/QI_SDG_PUBLICATION_Dec2019.pdf?_ga=2.201843157.596680806.1595527993-263367869.1590160505UNIDO>
[3] NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/2
[4] INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA (INMETRO).
Assuntos. Acreditação Sobre a área. Disponível em <https://www.gov.br/inmetro/pt-br/assuntos/acreditacao/cgcre>
[5] INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA (INMETRO). Rede Brasileira de Calibração – RBC. Disponível em <http://www.inmetro.gov.br/laboratorios/rbc/ >
[6] INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA (INMETRO). Laboratórios de Ensaio Acreditados (Rede Brasileira de Laboratórios de Ensaio – RBLE). Disponível em <http://www.inmetro.gov.br/laboratorios/labRBLE.asp>
[7] INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA (INMETRO).
Serviço de Certificação de Material de Referência. Disponível em <http://www.inmetro.gov.br/metcientifica/formularios/form_mrc.asp>
[8] INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION (ISO). Techinical Committees ISO/TC 34 Food products. Disponível em <https://www.iso.org/committee/47858.html>
[9] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). ABNT/CEE-228 – Comissão de Estudo Especial de Bem-Estar Animal. Disponível em <http://www.abnt.org.br/cee-228>
[10] NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/5
[11] NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6. Disponível em https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/6
[12] INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA (INMETRO). Apreciação Técnica de Modelo. Disponível em <http://www.inmetro.gov.br/metlegal/instrumentosApreciacao.asp>
[13] INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, QUALIDADE E TECNOLOGIA (INMETRO). Regulamentos Técnicos e Programas de Avaliação da Conformidade Compulsórios. Disponível em <http://infoconsumo.gov.br/qualidade/rtepac/compulsorios.asp>
[14] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS (ABNT). Dia Mundial da Água – Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 – Água potável e Saneamento. Disponível em <http://www.abnt.org.br/imprensa/releases/6685-normas-orientam-uso-da-aguahttp://www.abnt.org.br/noticias/6284-dia-mundial-da-agua-objetivo-de-desenvolvimento-sustentavel-6-agua-potavel-e-saneamento>
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