Transição energética requer esforço global em inovação, apontam cientistas
Para zerar até 2050 as emissões globais de dióxido de carbono (CO2) do setor energético, de modo a limitar o aumento da temperatura média global a 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais, como estabelecido no Acordo de Paris, o mundo precisará fazer, até 2030, um esforço sem precedentes para implantar imediatamente e de forma massiva todas as tecnologias de energia eficiente e limpa já existentes, como a bioenergia.
Paralelamente a esse esforço, será preciso um grande impulso global para acelerar a inovação em energia, uma vez que a maior parte da redução nas emissões de CO2 do setor até 2030 será possível por meio de tecnologias disponíveis hoje. Após esse período e até 2050, porém, quase metade da redução das emissões do setor virá de tecnologias que atualmente estão apenas em fase de projeto-piloto ou de protótipo, como baterias avançadas, sistemas de produção de hidrogênio e captura de CO2 do ar.
As conclusões são dos autores do relatório especial “Net Zero by 2050: a roadmap for the global energy sector”, lançado pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês) no dia 18 de maio e apresentado por representantes do órgão em palestra na abertura da Brazilian Bioenergy Science and Technology Conference (BBEST) 2020-21.
O evento on-line, que termina hoje (26/05), faz parte das atividades do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN) e ocorre paralelamente à segunda edição da Biofuture Summit, promovida pela Plataforma para o Biofuturo – consórcio formado por 20 países, incluindo o Brasil, com o objetivo de fomentar soluções de transporte de baixo carbono e a bioeconomia.
“Desbloquear a próxima geração de tecnologias de baixo carbono vai requerer muito esforço em pesquisa e desenvolvimento e investimento da ordem de US$ 90 bilhões para demonstração até 2030”, disse Paolo Frankl, líder da divisão de energias renováveis da IEA.
Segundo o especialista, para atingir a meta da transição energética global, a produção de biocombustíveis deverá triplicar nesta década para atender à demanda crescente, principalmente do setor de transporte. Já a produção de combustíveis líquidos avançados – como o etanol celulósico –, que hoje representa menos de 1% do total da produção de biocombustíveis, deve saltar para quase 45% em 2030 e para 90% em 2050.
Nesse novo cenário, a bioenergia moderna se tornaria, em 2050, a segunda maior fonte energética, sendo responsável por suprir cerca de 20% da energia total consumida globalmente. Quase oito gigatoneladas de CO2 seriam capturados por ano por uma ampla gama de soluções, que combinariam bioenergia com captura e armazenamento de carbono e, eventualmente, hidrogênio, para produzir combustíveis e produtos químicos sintéticos.
“Isso representa uma enorme oportunidade e desafio para o setor de bioenergia inovar por meio de diversas formas de tecnologias que pode oferecer”, avaliou Frankl.
Para atingir essa meta, contudo, será preciso superar desafios, como o de obter maior consenso sobre a disponibilidade de matérias-primas, de forma sustentável, para produção de bioenergia, apontou o especialista.
“Isso é fundamental para aumentar a confiança dos investidores e, em última análise, atrair mais investimentos e promover a implantação de tecnologias em bioenergia”, avaliou Frankl.
Outro desafio, segundo o pesquisador, é fortalecer a cooperação internacional. “Há um ímpeto político sem precedentes e temos pelos menos quatro motivos de otimismo em relação à transição para a energia limpa em todo o mundo”, afirmou o especialista.
Uma das razões de otimismo é que pelo menos 120 países, além de empresas, apresentaram metas de zerar suas emissões líquidas de CO2 até 2050. Há uma lacuna, entretanto, entre as promessas dos países e a realidade.
Após o maior declínio de todos os tempos, em 2020, devido à crise econômica global causada pela pandemia de COVID-19, as emissões globais de CO2 devem aumentar em quase 5% em 2021, se aproximando do pico de 2019. A demanda de carvão, óleo e gás também aumentou com a recuperação da economia.
“Por isso a IEA avaliou a necessidade desse relatório especial para ajudar os países a passar de promessas à promoção de cortes reais nas emissões”, afirmou Frankl.
Outros motivos para otimismo em relação à transição energética global é que hoje há um dos maiores pacotes de estímulo econômico para essa finalidade, e os Estados Unidos e a União Europeia anunciaram novas metas de limites de emissão de CO2 na recente Cúpula de Líderes sobre o Clima, promovida pelo presidente americano Joe Biden.
Os Estados Unidos anunciaram na abertura do evento, em abril, o compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa em pelo menos 50% até 2030 em relação aos níveis de 2005, atingindo 100% de eletricidade limpa até 2035 e emissões líquidas zero de CO2 até 2050.
“A inovação e a implantação de uma ampla gama de tecnologias de energia limpa são absolutamente essenciais para atingir esses objetivos ambiciosos”, disse David Turk, vice-secretário de energia dos Estados Unidos, na abertura do BBEST.
O país acaba de assumir a presidência da Plataforma para o Biofuturo, presidida pelo Brasil desde seu lançamento, em 2016.
“Nos últimos cinco anos, logramos um progresso considerável na consolidação da Plataforma para o Biofuturo como o principal fórum internacional para promoção da bioeconomia sustentável como componente-chave da transição energética”, afirmou o embaixador Sarquis, secretário de Comércio Exterior e Assuntos Econômicos do Itamaraty.
Ponto de encontro da bioenergia
O BBEST reúne virtualmente representantes de governos, órgãos internacionais, setor empresarial e pesquisadores de mais de 30 países. Estão previstas mais de 150 sessões on-line durante os três dias de duração do evento.
“Ao longo dos anos, o BBEST tem sido um ponto de encontro para diferentes áreas da ciência e engenharia se encontrarem, criando sinergias em bioenergia, biomassa, biocombustíveis, uso da terra, produtos biológicos e pesquisa de sustentabilidade. Criamos oportunidades para especialistas da indústria, da academia, do governo e de instituições não governamentais apresentarem suas tecnologias e desafios”, disse Gláucia Mendes Souza professora do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e membro da coordenação do Programa BIOEN.
O presidente da FAPESP, Marco Antônio Zago, destacou que o Programa BIOEN, que visa o avanço do conhecimento básico e aplicado em áreas relacionadas à produção de bioenergia, faz parte da missão da Fundação de apoiar pesquisas que contribuam para o desenvolvimento do Estado de São Paulo.
“Vemos na conferência uma oportunidade especial para o diálogo e a cooperação entre países, governos e organizações, além dos setores acadêmico e privado”, afirmou.