Saída da Petrobás da Área de Fertilizantes Coloca Soberania Alimentar do País em Risco, Avalia Diretor da FUP
A crise energética na Europa e na China e a disparada de insumos como o gás natural e o potássio estão criando um temor de uma possível crise no abastecimento de fertilizantes – produtos fundamentais para a produção de alimentos. O Brasil, como um grande player agrícola, já vê a questão com preocupação. Apesar de ser um grande produtor de alimentos, o Brasil é altamente dependente da importação de fertilizantes. Uma parcela de 85% desses produtos é comprada do exterior. Para o diretor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), o engenheiro petroquímico Gerson Castellano, um fator que contribuiu muito para aumentar ainda mais essa dependência foi a saída da Petrobrás do setor de fertilizantes. A estatal, como se sabe, hibernou algumas de suas fábricas de fertilizantes (Fafen) e já arrendou duas unidades do tipo (Sergipe e Bahia). A alegação, na época, era que as fábricas só davam prejuízos. “Eu entendo que aquela situação era momentânea. Além do mais, existe a questão estratégica. Para o Brasil, é muito importante deter a tecnologia e manter a produção interna para não ficar refém 100% da importação. Hoje, pagamos o preço disso por uma falta de planejamento”, avaliou Castellano. Segundo ele, o fertilizante nitrogenado teve um reajuste de 185% durante o ano. Só em outubro, o preço subiu 55%. Para Castellano, a decisão de hibernar ou vender as fábricas foi equivocada e contribui para aumentar a insegurança alimentar do país diante da crise no abastecimento de fertilizantes. “Importante lembrar que os fertilizantes nitrogenados são usados em muitas culturas importantes para nós, como a cana e o feijão – dois produtos muito fundamentais do ponto de vista de soberania alimentar”, lembrou. Para enfrentar esse cenário, o diretor da FUP afirma que uma medida no curto prazo seria retomar as obras da Unidade de Fertilizantes Nitrogenados III (UFN-III), em Mato Grosso do Sul, além de retomar as atividades da Fafen do Paraná. Ele também menciona que o Brasil deve estudar incentivos visando estimular a produção nacional de fertilizantes.
Poderia relembrar aos nossos leitores o processo de saída da Petrobrás do setor de fertilizantes e a atual situação desse mercado no país?
A partir de 2018, a Petrobrás começou a concretizar um desejo de sair do setor de fertilizantes nitrogenados. O primeiro movimento da empresa nesse sentido foi hibernar as suas duas unidades no Nordeste – na Bahia e em Sergipe. Isto é, a empresa interrompeu a produção e manteve as condições para poder reativar os equipamentos a qualquer momento. Além disso, a companhia começou um processo de venda das fábricas de fertilizantes do Paraná e do Mato Grosso do Sul. A UFN III do Mato Grosso do Sul era a única que não estava operando ainda, pois ainda estava em construção, com 85% das obras concluídas. Essa unidade seria uma fábrica moderna, com alta produção – maior do que a das outras três Fafens. A ideia da Petrobrás era fazer uma venda casada da unidade do Paraná com a do Mato Grosso do Sul, mas a empresa não teve resultado positivo nesse desinvestimento.
No ano passado, a Petrobrás optou por hibernar a Fafen do Paraná. Nesse meio tempo, as Fafen de Sergipe e Bahia foram arrendadas para o grupo Proquigel/Unigel – e voltaram a produzir em 2021. O Brasil passou pelo ano de 2020 sem nenhuma oferta interna de fertilizantes nitrogenados. Quando o país tinha as três Fafen em funcionamento, importávamos em torno de 70% a 76% de fertilizantes nitrogenados. Mas no último ano os importados dominaram 100% do mercado. A produção das fábricas de fertilizantes de Sergipe e Bahia foram retomadas nesse ano, mas ainda estamos dependendo de quase 85% de importação de fertilizantes nitrogenados.
Uma das alegações da administração na época do arrendamento e hibernação das fábricas era que o setor de fertilizantes estava dando prejuízos. Como o senhor avalia essa postura?
A Petrobrás estava olhando para um retrato momentâneo, no qual os fertilizantes estavam com preços baixos. No Brasil, os fertilizantes importados possuem um custo menor, por conta da isenção de impostos. É um lobby político de quem produz alimentos, já que há um entendimento de que é necessário facilitar a importação pelo fato de o Brasil não possuir uma produção interna suficiente para atender à demanda. Diante desse cenário, a Petrobrás realmente não estava alcançando lucros substanciais para manter as atividades dessa área de fertilizantes. Mas, repito: a empresa estava olhando um retrato daquele momento, no qual havia uma oferta grande de fertilizantes.
Eu entendo que aquela situação era momentânea. Além do mais, existe a questão estratégica. Para o Brasil, é muito importante deter a tecnologia e manter a produção interna para não ficar refém 100% da importação. Hoje, pagamos o preço disso por uma falta de planejamento.
Como resolver a discrepância entre o tratamento tributário dado aos fertilizantes importados e nacionais?
O Brasil deveria pensar em algum modelo para que, no mínimo, essa relação de fertilizantes importados e locais fosse igualitária. O Brasil tem a tecnologia para produzir, mas vai pagar um preço alto pelo fato de ter produção local reduzida. A balança comercial brasileira depende muito das exportações de commodities agrícolas. Essas commodities, por sua vez, dependem dos fertilizantes.
A questão econômica, de como equilibrar isso, penso que o pessoal da área de Economia deveria avaliar a desoneração desse setor para fortalecer a produção local, de forma que possamos competir com o mercado internacional. Assim, não ficaríamos dependentes única e exclusivamente das importações, uma vez que estamos falando de um insumo de primeira necessidade.
Importante lembrar que os fertilizantes nitrogenados são usados em muitas culturas importantes para nós, como a cana e o feijão – dois produtos muito fundamentais do ponto de vista de soberania alimentar.
Olhando para o curto prazo, qual o caminho para o Brasil atravessar essa escassez no fornecimento de fertilizantes do exterior?
No curto prazo, podemos adotar algumas ações. Uma delas é reativar a Fafen do Paraná, que está hibernada. Ela poderia produzir, com a liderança da própria Petrobrás. Ou seja, recontratar o pessoal necessário e retomar a produção. Só com isso, você diminui em 10% a dependência dos produtos importados. Além disso, outro caminho seria concluir a UFN III do Mato Grosso do Sul. Na pior das hipóteses, em 18 meses você consegue fazer a UFN III começar a trabalhar. Já a fábrica do Paraná precisaria de um prazo de seis meses para voltar a funcionar.
A falta de oferta de fertilizantes no mundo se dá por vários fatores: o aquecimento da economia após a pandemia; o aumento do preço do gás natural no mercado internacional; e a chegada do inverno no hemisfério Norte – que aumenta a demanda de gás para aquecimento. Esse problema de abastecimento que vivemos agora pode tornar-se cíclico. No último ano, só para se ter ideia, o fertilizante nitrogenado teve uma subida de 185%. Só em outubro, subiu 55%. Por isso, a questão de soberania e autonomia do Brasil dependerá muito de como os governos tratarão essa questão.
Esse é um assunto estratégico, sem levar em conta partidos ou ideologias. Comer é algo que independe de crenças. O ex-presidente dos EUA, George Bush, disse certa vez: “Vocês já imaginaram um país incapaz de cultivar alimentos suficientes para sua população? Seria uma nação exposta às pressões internacionais. Seria uma nação vulnerável. Por isso, quando falamos de agricultura, estamos falando de uma questão de segurança nacional”. Essa fala é de Bush, um liberal. A questão alimentar é estratégica e extrapola ideologias ou qualquer outra coisa.
E no longo prazo? Como incentivar de uma forma perene a produção nacional de fertilizantes?
O caminho acaba caindo na questão fiscal. Se algum investidor quiser produzir internamente, ele vai avaliar se haverá retorno financeiro. Do jeito que estamos hoje, é preciso dar incentivos para quem vai produzir no país. Esses estímulos precisam ver avaliados pelo governo. Sem isso, fica muito difícil pensar em produção interna, porque o mercado é muito predatório. Claro que a concessão desses incentivos seria atrelada à contrapartidas, de forma a garantir autonomia ao Brasil.