Resíduo da produção de suco de laranja pode contribuir com plásticos biodegradáveis mais resistentes

De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), apenas 9% das 430 milhões de toneladas de plástico produzidas anualmente no mundo são recicladas. A poluição plástica é o segundo maior problema da atualidade, como classifica a Organização Mundial da Saúde. Uma aposta industrial e científica para redução desses resíduos é a produção de biopolímeros, com estimativa de 7,43 milhões de toneladas produzidas em 2028, conforme a organização Bioplásticos Europeus (European Bioplastics). Contribuindo com essas tecnologias, Pedro Henrique Bezerra desenvolveu no mestrado, em Ciências e Engenharia de Materiais, biofilmes à base de alginato de sódio reforçados com subprodutos de suco de laranja.
Os subprodutos da produção de suco de laranja incluem óleos essenciais, fibras, bagaço, sementes e cascas ricos em polifenóis, pectinas e flavonoides – compostos com propriedades antioxidantes e prebióticas. Além de subaproveitados, estes resíduos geram enorme impacto ambiental. “Subprodutos descartados por setores industriais, como o de suco de laranja, representam recursos valiosos que são frequentemente subutilizados, com potencial de aproveitamento na produção de novos materiais sustentáveis”, afirma Bezerra.
Realizado na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de alimentos (FZEA) da USP, ele desenvolveu e caracterizou o pó de subproduto de laranja (OBP), obtido da produção de sucos industriais, como também o bioplástico de alginato de sódio, que foi reforçado com o pó. Os resultados constataram que o material contém uma quantidade substancial de proteínas, fibras, minerais e grupos funcionais, além de exibir resistência térmica superior em comparação a outros produtos análogos. Os resultados mecânicos surpreenderam positivamente o pesquisador e destacam o potencial para embalagens sustentáveis, com interesse em diminuir a poluição plástica.
“Descobrimos que adicionar maiores concentrações do nosso resíduo em pó melhorou significativamente essas propriedades”, explica o pesquisador. Apesar dessas melhorias, a alta solubilidade do filme em água persiste.
Com o bioplástico obtido da produção de suco de laranja industrial, o projeto alinha-se com as metas de Desenvolvimento Sustentável da ONU, uma vez que o Brasil se destaca como o maior produtor e exportador mundial de laranja. Mesmo com queda na produção em 2024, o País bateu o recorde de faturamento, somando US$ 1,87 bilhão de acordo com a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR).
“Estamos falando de resíduos de suco que podem ser desperdiçados mesmo sendo um material em potencial” – Pedro Henrique Bezerra
O intuito do material criado por Bezerra é reforçar o biofilme e ajudar a lidar com subprodutos industriais com uma visão que agregue valor, conforme o pesquisador. A pesquisa busca contribuir também com o conceito de economia circular, pois, apesar de utilizado atualmente para alimentação animal e fertilização, o resíduo ainda não é integralmente utilizado. Estudos anteriores utilizaram a casca, a pectina ou apenas os óleos essenciais na criação de biopolímeros.
O OBP e o biofilme
O resíduo da produção de suco de laranja foi obtido de um comércio local de Pirassununga, São Paulo. O produto obtido, composto de membranas, sementes, albedo e casca, foi inicialmente higienizado e submetido à secagem em estufa. Ele seco foi moído e o tamanho das partículas padronizado usando peneiras. O produto final, o OBP, foi armazenado sob refrigeração para caracterização por diversos métodos de avaliação, entre elas, as propriedades físico-químicas, composição química, composição mineral, medidas de cor, microscopia eletrônica de varredura, distribuição granulométrica, propriedades estruturais e térmicas, além de presença de pesticidas.
1 Testes foram feitos tanto no pó produzido, quanto no plástico reforçado, para aferir qualidade dos materiais – Foto: cedida pelos pesquisadores
“Dois desses pesticidas estavam acima do limite permitido. Geralmente, os resíduos não são caracterizados quanto à presença de pesticidas, mas abrimos caminho para futuras pesquisas e aplicações garantirem um material seguro para uso em diversas finalidades“, ressalta o pesquisador.
A incorporação do pó em filmes de alginato de sódio aumentou sua espessura, resistência à tração e hidrofobicidade, ao passo que reduziu a transmitância de luz (capacidade de atravessar um corpo sem sofrer absorção ou reflexão). Análises revelaram maior estabilidade nos filmes, menor degradação, além de maior rugosidade. “A microscopia do pó revelou estruturas globulares e fibrosas que também foram observadas nos filmes produzidos. A presença delas pode ter contribuído para a estruturação da rede e melhoria das propriedades mecânicas”, detalha Bezerra.
Viabilidade e sustentabilidade
A substituição dos plásticos convencionais por materiais sustentáveis, como os filmes dessa pesquisa, representa uma alternativa promissora, mas que ainda enfrenta desafios significativos. Embora a produção desses materiais não exija tecnologias extremamente caras, como apontado pelo pesquisador, sua competitividade econômica frente aos plásticos tradicionais ainda é limitada. “A indústria já está estruturada para operar com os materiais convencionais, exigindo uma nova indústria com mentalidade e infraestrutura para adotar práticas mais ecológicas”, afirma Fernanda Vanin, orientadora da pesquisa e professora associada da FZEA.
Por outro lado, o mercado tem demonstrado maior interesse por produtos com menor impacto ambiental, o que pode abrir espaço para pequenas empresas focadas em soluções biodegradáveis, conforme a professora.
No entanto, questões técnicas como a hidrofilicidade dos filmes continuam sendo barreiras importantes para sua aplicação em larga escala, o que não altera o potencial para produtos secos, mas melhorar a aversão do produto à água sem comprometer sua capacidade biodegradável continua um dos maiores desafios do campo.
“A utilização de ceras naturais, ácidos orgânicos ou plastificantes hidrofóbicos são algumas das estratégias consideradas” – Fernanda Vanin
Ainda assim, os entraves vão além da ciência. A falta de um esforço global coordenado dificulta o avanço de soluções concretas para o problema do plástico, alega a docente. Mesmo com tratados internacionais sendo discutidos, como os promovidos pela ONU no último ano voltado à poluição plástica, os resultados têm sido lentos, com a data para novas negociações adiadas.
A dissertação completa pode ser acessada clicando aqui.
Para mais informações: pedrobezerra315@usp.br, com Pedro Henrique Bezerra
* Estagiário sob orientação de Tabita Said
Matéria – Jornal da USP
Texto: Jean Silva*
Arte: Daniela Gonçalves**
Imagem – Reforçar biofilmes com resíduo industrial de suco de laranja pode ser uma alternativa sustentável – Imagem: Cedida pelos pesquisadores