O sistema de vácuo na espectrometria de massas
Um dos filósofos a quem o estudo da Espectrometria de Massas tem como base é Demócrito de Abdera. No ano 400 a.C. ele fez a seguinte afirmação: “O Universo é composto de Vácuo e Átomos”. O raciocínio que guiou Demócrito para afirmar a existência dos átomos foi que o movimento pressupõe o vazio no qual a matéria se desloca. Mas outro filosofo grego, Aristóteles afirmava que a natureza tinha um verdadeiro “horror ao vácuo” e quando se tentava criar vácuo, a natureza imediatamente agia preenchendo este espaço. A resposta para este impasse surge graças a um problema na utilização das bombas de sucção, que eram utilizadas pelos antigos gregos, para o abastecimento de água. A dificuldade de se elevar a água a uma altura acima de dez metros é reportado por Galileu Galilei que, num primeiro momento, atribui o problema a um possível mau funcionamento da própria bomba. Galileu sugere um estudo mais detalhado sobre este assunto para seu aluno Evangelista Torricelli (1608-1647). Torricelli demonstra que não é problema da bomba e sim do peso do ar que empurra a água para cima da coluna. Ele percebeu que a atmosfera exerce uma pressão sobre a superfície da Terra e suspeitou que isso explicasse o motivo da água não se elevar acima de uma determinada altura. Essa pressão do ar seria suficiente para explicar o fenômeno até então atribuído ao fato de a natureza ter horror ao vácuo. Torricelli percebe que o mercúrio, um líquido cerca de quatorze vezes mais denso que a água seria mais interessante para experimentos laboratoriais. De fato a mesma bomba que era capaz de elevar água a uma altura de aproximadamente 10m, só elevava o mercúrio a 760mm. No intuito de provar suas teorias a respeito do peso do ar e da pressão atmosférica, Torricelli idealiza um instrumento de medida de pressão atmosférica denominado de barômetro de Torricelli.
Blaise Pascal (1623-1662) pede para seu cunhado Florin Périer medir a pressão atmosférica por meio do barômetro de Torricelli em altitudes diferentes, na base de uma montanha e no cume da montanha, com o objetivo de observar se havia diferença na altura da coluna de mercúrio. Pela primeira vez era formulado o princípio da determinação de altitudes por nivelamento barométrico, muito utilizado na aviação.
Desta forma conclui-se que a pressão é uma força que atua sobre uma unidade de superfície. A sua unidade escolhida é 1 Torr (Torricelli) e equivalente a 1mm de mercúrio. Além disso, 760mm de mercúrio é igual a 1 atmosfera (atm). Outra unidade de pressão é o Pascal (Pa) que é equivalente a um Newton por metro quadrado (Tabela 1).
Otto Von Guericke (1602-1686) desenvolveu a primeira bomba de ar no ano de 1650. Em 8 de maio de 1654, Von Guericke apresentou seu primeiro experimento relativo ao vácuo. Ele demonstrou a força exercida pela pressão atmosférica, e o fez bombeando o ar para fora de dois hemisférios de cobre perfeitamente encaixados, demostrando que duas parelhas de cavalos eram incapazes de afastar os dois hemisférios até o momento em que o ar fosse readmitido.
O vácuo é definido como sendo um espaço onde não existe matéria. Na ciência da espectrometria de massas, o vácuo é utilizado para eliminar os gases interferentes da atmosfera interna ao espectrômetro. Todos os espectrômetros de massas funcionam sob alto vácuo. Isso é necessário para permitir que os íons cheguem ao detector sem sofrer colisões com outras moléculas interferentes. De fato, colisões produziriam um desvio da trajetória dos íons que podem perder sua carga quando atingem as paredes do instrumento. Por outro lado, colisões do tipo, íon-molécula podem produzir reações indesejadas, aumentando a complexidade do espectro de massas. Estas colisões íon-molécula no interior do espectrômetro de massas é medida por meio da unidade linear denominada “caminho livre médio”, cuja unidade é o metro. Na teoria cinética dos gases, o caminho livre médio é a distância média percorrido entre duas colisões sucessivas das moléculas de um gás. As moléculas de um gás estão em constante movimento, chocando-se umas com as outras, e a temperatura do gás é função da energia cinética dessas moléculas. Essa teoria também é válida para átomos no interior do espectrômetro de massas.
Em um espectrômetro de massa, o caminho livre médio deve ter pelo menos 1m, isto é, a pressão deve ser de 10-4 Torr. Em instrumentos usando uma fonte de alta tensão, a pressão deve ser reduzida ainda mais para evitar a ocorrência de descargas. A introdução de uma amostra em um espectrômetro de massa requer a transferência da amostra à pressão atmosférica em uma região de alto vácuo sem comprometer o sistema. Da mesma forma, produzir colisões íon-moléculas eficientes requer o caminho livre médio de 0,1mm, implicando pelo menos uma pressão de 10-1 Torr em uma determinada região do espectrômetro. Essas grandes diferenças de pressão são controladas com a ajuda de um eficiente sistema de bombeamento usando bombas mecânicas em conjunto com bombas turbo-moleculares ou de difusão. As bombas mecânicas permitem obter um vácuo de cerca de 10-3 Torr. Uma vez atingido esse vácuo, a operação dos outros sistemas de bombeamento permite um vácuo de 10-10 Torr a ser atingido. Alguns espectrômetros de massas não requerem um sistema de vácuo na fonte de íons, tal como o APCI/MS ou ES/MS, mas precisam diferentes sistemas de bombeamento no analisador e detector (Figura 1). Portanto, o sistema de vácuo no espectrômetro de massas é necessário para:
- Aumentar o caminho livre médio dos íons no interior do espectrômetro.
- Evitar perda de sinal iônico. A colisão do feixe iônico do analito com outras moléculas indesejáveis dentro do espectrômetro de massas reduz o sinal iônico que atinge o detector, isto é, reduz a razão Sinal/Ruído (Signal to noise ratio).
- Remover contaminantes químicos interferentes, deixando um ambiente limpo dentro do espectrômetro de massas, evitando o efeito memória, isto é, remoção dos íons de análises anteriores.
- Evitar a formação de arcos elétricos nos bornes elétricos dentro do espectrômetro de massas.
Todo espectrômetro de massas possui um sistema de vácuo constituído de bombas de vácuo e monitores de pressão que registram o nível do vácuo no interior do espectrômetro. As bombas de vácuo, geralmente estão constituídas por duas bombas, uma de pré-vácuo e outra de alto vácuo.
A bomba de pré-vácuo é uma bomba mecânica que opera na ordem de gradeça da pressão atmosférica, isto é, 760 Torr até atingir um 10-2 Torr. Estas bombas são a óleo, podendo ser de um ou dois estágios, atingindo pressões de 10-2 e 10-3 Torr, respectivamente (Figura 2). O óleo utilizado é especial para bombas de vácuo, ou seja, com baixa pressão de vapor para não contaminar o espectrômetro. Atualmente, existem bombas de vácuo secas, eliminando toda possível contaminação de óleo no espectrômetro, além de não ser necessária a manutenção da troca de óleo, exigida em toda bomba de vácuo a óleo, porem tem um custo maior.
A bomba de alto vácuo, opera a partir de 10-2 Torr, podendo atingir 10-10 Torr dependendo do volume do analisador e do deslocamento nominal, medido em L/min. Estas, podem ser, bomba difusora à mercúrio e bomba à óleo, ambas precisam de sistemas de refrigeração para evitar a contaminação no sistema (Figura 3a). Para evitar possível contaminação é melhor utilizar a bomba turbo-molecular (Figura 3b) que não utiliza nenhum tipo de óleo, mas tem vida útil menor e custo maior que as bombas difusoras.
Os monitores de vácuo utilizados no interior do espectrômetro dependem do grau de vácuo a ser monitorado. Por exemplo, para monitorar o pré-vácuo, até 10-3 Torr, é utilizado o medidor Termopar. Para monitorar a fonte de íons 10-4 Torr, é utilizado o medidor Pirani. Para o analisador, 10-6 Torr, é utilizado o medidor Bayard-Alpert. Existe muita literatura sobre este tema.
Por meio da análise dos gases internos do analisador, o próprio espectrômetro é auto monitorado. Se o espectro de massas dos gases interno ao espectrômetro apresenta uma intensidade iônica alta de m/z 18 (água), isto significa que o interior do espectrômetro está com alto teor de umidade. A solução é aquecer todo o espectrômetro num processo denominado “Baking”. Isto acontece especialmente após a manutenção do espectrômetro. Se o espectro de massa do interior do analisador apresenta uma intensidade iônica alta de m/z 28, significa que existe um vazamento denominado “Leaking”. A massa 28 representa a presença do gás nitrogênio, ou seja, atmosfera ingressando dentro do sistema. Para eliminar este vazamento, tem que verificar os possíveis lugares do vazamento, tais como juntas, válvulas, conectores e O-rings do sistema. Existe um instrumento comercial que auxilia a detecção de vazamentos, chamado “Leak detector”.
Os sistemas de vácuo são utilizados por outros ramos da ciência, além da espectrometria de massas, tais como filmes finos, eletro deposição, produção de lâmpadas, microscópios de varredura, aceleração de partículas, entre outras. Há uma Sociedade Brasileira de Vácuo que apoia a divulgação e estudo da ciência do vácuo. O SITE da Sociedade é: http://www.sbvacuo.org.br/
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Referências bibliográficas
- Hoffman e V. Stroobant. “Mass spectrometry”. Edit. Wiley. 2007.
- Tomkins. “Pumps used in vacuum technology”. Edit. AVS. 1991.
- T. Degasperi. “Modelagem e análise detalhada de sistemas de vácuo”. Dissertação FATEC/UNICAMP. 2002.
- M. Silva. “A natureza tem horror ao vácuo?”. Dissertação UEM. 2013.
*Oscar Vega Bustillos
Pesquisador do Centro de Química e Meio Ambiente CQMA do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares IPEN/CNEN-SP
55 11 3133 9343
www.vegascience.blogspot.com.br