O impacto das mudanças climáticas no sistema de transmissão do Brasil exige resiliência e inovação
A integração das energias renováveis ao sistema elétrico brasileiro é o pilar fundamental para atingir os objetivos de descarbonização e eletrificação da economia, uma vez que as fontes limpas representaram cerca de 91,4% das demandas de carga do Sistema Interligado Nacional (SIN), segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para 2023. Nesse contexto, as empresas de transporte de energia desempenham um papel crucial na transição energética, garantindo a máxima integração das energias renováveis, a eficiência e a segurança do abastecimento.
A questão é que, nesse processo, existem desafios consideráveis, mas também oportunidades importantes, principalmente no que diz respeito à variabilidade da produção, à previsão da geração, à dispersão geográfica das instalações e à cobertura da demanda.
Um dos maiores entraves é a inconsistência na geração de energias renováveis, como solar e eólica, que dependem das condições climáticas e têm pouca previsibilidade. Essa variabilidade exige uma gestão eficiente e projetos ousados de hibridização, que combinam duas ou mais tecnologias para otimizar o processo, equilibrando assim a oferta e a demanda elétrica em tempo real.
Em um país que necessita de uma rede de mais de 180 mil quilômetros de linhas de transmissão para servir uma população de 211 milhões de habitantes, as empresas do setor também enfrentam uma das maiores dispersões geográficas do mundo, com fontes renováveis localizadas em áreas remotas. Tudo isso exige infraestrutura adequada, sendo necessárias torres maiores, por exemplo, para transportar energia em linhas de 500 kV, minimizando as perdas durante o transporte para grandes centros de consumo.
Diante desses obstáculos, as empresas realizam investimentos significativos na criação e automação de centros de controle para integração de energias renováveis. Esses centros monitoram e supervisionam as operações em tempo real, facilitando a participação de diversas fontes de geração renovável nos mercados de ajuste. Graças a essa tecnologia, as empresas líderes do setor conseguem reduzir as limitações renováveis devido ao congestionamento da rede, mantendo as perdas abaixo de 2% em um sistema que já ultrapassa 91% de penetração renovável.
Mudanças climáticas: o novo (a)normal
Em tempos de certeza sobre os impactos das alterações climáticas em todos os setores da economia, as empresas de transporte de energia devem levar em conta os muitos riscos importantes associados, tais como ventos extremos, incêndios florestais, mudanças nos hábitos e nas populações de aves, aumento da temperatura, efeitos da desertificação e das inundações. Ventos fortes, por exemplo, podem danificar estruturas se as rajadas excederem os limites de projeto; segundo o ONS, nas regiões Sul e Sudeste, os ventos podem danificar as redes de transmissão caso ultrapassem velocidades de 140 km/h. Para mitigar esse risco, as empresas realizam estudos sobre a evolução futura da velocidade do vento em um horizonte de 40 anos.
Os incêndios florestais próximos às instalações representam outro cenário de alto risco, pois as altas temperaturas podem causar desligamentos intempestivos, além de danificar equipamentos eletrônicos. Uma pesquisa de 2023 realizada pela ONG norte-americana focada no meio ambiente, Breakthrough Institute, descobriu que o aquecimento global aumentou a frequência de grandes incêndios florestais em 25%.
Para reduzir a exposição a esse risco, as empresas devem adotar uma série de medidas, como estabelecer previamente regulamentos internos para a construção e manutenção de instalações, oferecer formação específica nas comunidades e estabelecer acordos de colaboração com as administrações locais para combater os incêndios. Além disso, as transmissoras terão que considerar obras de faixa de domínio, onde árvores com mais de dois metros de altura deverão ser retiradas do perímetro das torres.
Ainda, a desertificação e a erosão acelerada dos ativos também são motivo de preocupação. Por isso, as empresas utilizam alta tecnologia para desenvolver mapas de zonas de corrosão e modelam a saúde dos ativos, além de adotar novos critérios de isolamento e testes de materiais alternativos, como suportes poliméricos.
Um aviso de bilhões
As alterações climáticas vêm expondo fragilidades em todos os setores da nossa sociedade, incluindo as infraestruturas. O recente desastre natural causado pelas enchentes no estado do Rio Grande do Sul neste ano já acumulou mais de um bilhão de reais em perdas nas redes de alta tensão do estado. A situação gera alerta para o setor e define como prioridade a gestão da previsibilidade nos padrões de precipitação. Para evitar esses danos, é importante delimitar as instalações considerando o risco de inundações e adotar todas as medidas preventivas.
A nível internacional, o setor de transporte de energia enfrenta horizontes semelhantes. E, no Brasil, por exemplo, a expansão da infraestrutura de transmissão é dificultada pela pressão sobre a cadeia de abastecimento e os materiais, além dos desafios regulatórios e do impacto de eventos climáticos extremos. O aumento da geração renovável no Nordeste do Brasil criou a necessidade de regulamentação avançada para serviços auxiliares e novas tecnologias, como armazenamento de energia.
Os fenômenos meteorológicos severos apresentam novas perspectivas, tais como danos nas infraestruturas, interrupções no fornecimento, sobrecarga de equipamentos e aumento da demanda de energia. Tais situações exigem a adoção de novas estratégias integradas e tecnologias inovadoras para preparar e resolver esses eventos. Isso inclui o fortalecimento da infraestrutura, sistemas avançados de monitoramento, utilização de IoT e análises preditivas e desenvolvimento de planos de contingência.
A cibersegurança é também uma preocupação crescente, especialmente durante condições meteorológicas adversas, uma vez que redes digitais e inteligentes em pleno funcionamento garantem um fornecimento de energia ininterrupto. No Brasil, o trabalho promovido pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) tem impulsionado a inovação tecnológica, tornando o setor de transmissão mais resiliente, confiável e eficiente.
Por último, a integração das energias renováveis e a adaptação às alterações climáticas no setor de transporte de energia representam um novo desafio para o mercado, que abre oportunidades de inovação e melhorias na resiliência e eficiência dos sistemas elétricos. A partir da combinação da tecnologia que empregamos no Brasil com a experiência de empresas globais e um planejamento que considera todas essas novas variáveis, o país tem todos os atributos para continuar enfrentando o cenário atual e avançar efetivamente na transição energética.
*Juan Francisco Collado é Country Manager da Redinter no Brasil
Matéria – Exame, Juan Francisco Collado
Imagem – Linha de transmissão: rede brasileira alcança 180 mil quilômetros de extensão (zhengzaishuru/Getty Images)