Antes de falar sobre o programa de P&D em hidrogênio, seria interessante voltar um pouco no tempo e contar-nos um pouco como surgiu o interesse do Brasil nessa fonte.
Nós escolhemos o hidrogênio porque o tema de transição energética para o Brasil é muito importante. O nosso país se posiciona nessa discussão defendendo que a transição energética não é a mesma para todos. Todos os países devem mirar a descarbonização até 2050, mas cada um deve adotar sua própria trajetória, partindo de pontos diferentes. Cada país tem matriz, tecnologias e vantagens competitivas diferentes. Então, a palavra que usamos muito para definir nossa narrativa de transição energética é flexibilidade.
Deparamo-nos com a discussão sobre hidrogênio ganhando força no mundo. Para sair da pandemia, a Europa começou a falar sobre o “European Green Deal”, que é a retomada das atividades econômicas com foco em descarbonização. Com essa discussão, os países europeus começaram a falar de forma mais categórica sobre o hidrogênio. Foi aí que o Brasil apareceu como um forte candidato a ser um grande exportador de hidrogênio verde para a Europa. Começamos a ser muito procurados por esses países, que questionavam se o Brasil tinha interesse em projetos de hidrogênio verde. E, óbvio, temos esse interesse.
Qual será o melhor caminho ou rota tecnológica para o Brasil posicionar-se como um grande produtor de hidrogênio?
Com base nesse olhar de que devemos fazer o dever de casa para viabilizar o mercado de hidrogênio no Brasil, enxergamos que não discriminaremos nenhum tipo de tecnologia. Temos que usar justamente as que estão mais à mão. Além de também observar qual o interesse dos agentes que já estão no Brasil e querem investir no país.
O governo pode falar qual é sua narrativa e seu olhar no tema de transição energética, mas, no fundo, quem faz essa transição são as empresas e a sociedade. Então, temos que ouvir nossos agentes, porque são eles que estão fazendo seus próprios trabalhos de transição energética.
Com base nisso, temos muitas empresas de óleo e gás no Brasil que já estão reposicionando-se, em nível mundial, como empresas de energia. Elas também vão partir do gás para, eventualmente, chegar a um hidrogênio vindo só de fonte renováveis. No Brasil, já existem consumo e produção de hidrogênio para usos industriais. Então, não partiremos do zero.
E como surgiu a ideia de preparar essa chamada estratégica para projetos de P&D em hidrogênio?
O primeiro seria contribuir para orientar o uso dos recursos estratégicos de P&D, que já existem nos setores elétrico e de óleo e gás, também para o desenvolvimento de tecnologias em hidrogênio. Na resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de fevereiro, foi a primeira vez que nos posicionamos para orientar as agências reguladoras para temas que consideramos estratégicos para a política energética [o Petronotícias publicou sobre essa resolução, como você pode ler aqui].
Com base nesse Compact, estamos conversando com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e a Agência Nacional do Petróleo (ANP) para que elas, juntas, criem uma chamada estratégica para projetos em hidrogênio. Não será, necessariamente, a mesma chamada estratégica, porque essas agências têm estruturas de governança distintas. Mas, de qualquer forma, essa chamada estratégica sairá [do papel] ao mesmo tempo.
Poderia detalhar um pouco mais sobre a parte de financiamento e o calendário dessa chamada?
Com isso, com esse recurso a fundo perdido, talvez podemos atrair o setor privado para apresentar mais projetos. Então, além de obrigações contratuais [com P&D] que as empresas já possuem, poderemos ver outras companhias apresentando projetos por meio de suas interações com as agências reguladoras.
Teremos o ano de 2022 para estruturar essa chamada estratégica. Conversamos bastante sobre isso com a Aneel, que tem bastante experiência na estruturação de chamadas estratégicas. Então, demora um tempo até decidir qual será o melhor formato dessa chamada e o que será ofertado. Esperamos receber as primeiras candidaturas de projetos a partir de 2023.
O que eu posso dizer é que esperamos que o setor privado possa trazer sua inventividade para pensar em soluções de negócios ou, talvez, questões muito específicas que ainda faltam para que o hidrogênio seja algo promissor na transição energética.
Gostaria de ouvir os motivos que despertaram o interesse do MME em priorizar investimentos de P&D na área de hidrogênio.
No ano passado, com a Covid-19, tivemos que fazer duas medidas provisórias (950 e 998) pensando em trazer alívio tarifário para os consumidores. Naquela ocasião, vimos que havia bastante recurso de P&D subutilizado. Ou seja, as empresas têm obrigação de aplicar esses recursos, mas não estavam conseguindo executar tudo. Então, daí veio a preocupação do ministro [Bento Albuquerque, de Minas e Energia] de orientar melhor o uso desses recursos. Sabemos do aprendizado dos últimos 20 anos para os programas regulatórios de P&D das agências regulatórias. Ainda assim, o ministro orientou que deveríamos pensar na priorização desses recursos.
Reunimos estudos feitos no âmbito do projeto Energy Big Push, que possuem algum mapeamento de onde estão os investimentos em inovação em P&D no setor de energia. Além disso, olhamos o Plano Nacional de Energia 2050, que cita tecnologias disruptivas e transição energética.
Com base nessas informações, que ainda não são completas mas já são um indicativo, conseguimos ver que transição energética é uma discussão que veio para ficar. Este é um movimento que temos que fazer no Brasil também, embora nossas matrizes sejam super limpas comparadas com o resto do mundo. Nesse sentido, vale a pena orientar a aplicação de recursos em algumas fontes energéticas que temos no Brasil. Foi assim que apareceu também o tema do hidrogênio.
Por fim, seria interessante ouvir sua avaliação do potencial do Brasil na área de hidrogênio.
Do lado da demanda, temos outra oportunidade que não podemos desperdiçar. O Brasil tem a sexta maior população e a 12ª maior economia do mundo. Nosso mercado tem escala. Temos indústria de fertilizantes, petroquímica, entre outras. O Brasil tem tudo para poder construir [o setor de hidrogênio]. Temos a demanda local, que pode ser grande. Além disso, o país tem o potencial de ser um grande exportador de hidrogênio. Infraestrutura e logística para exportar já temos.
Então, eu vejo com muito bons olhos o potencial do Brasil em hidrogênio. Por isso que é legal pensarmos, desde o começo do nascimento dessa indústria do hidrogênio energético, em como permitir o pleno desenvolvimento desse potencial.
Fonte: Petronotícia