Mais eficiente, uso de metanol para descontaminar água gera compostos com emprego na indústria

O uso combinado de carvão ativado e metanol pode promover importantes avanços na remoção de contaminantes durante o tratamento de água, conclui trabalho de pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP. Em estudos anteriores, os cientistas verificaram que o metanol extrai as substâncias tóxicas do carvão ativado e as concentra em um pequeno volume, aumentando a eficiência do tratamento. Agora, a pesquisa demonstra que o uso de meio alcoólico durante a remoção dos contaminantes por meio de tratamento eletroquímico pode formar compostos oxidados com potenciais aplicações industriais, como na produção de aditivos, aromatizantes e solventes. A pesquisa é descrita em artigo publicado na revista científica Journal of Electroanalytical Chemistry.
O tratamento eletroquímico da água consiste na aplicação de corrente elétrica para induzir reações químicas que promovem a remoção de contaminantes. “Durante o tratamento, eletrodos são imersos na água e, ao serem submetidos a uma corrente elétrica, geram substâncias oxidantes e desinfetantes”, explica ao Jornal da USP o químico William Santacruz Parra, primeiro autor do artigo. “Elas reagem com poluentes, microrganismos e matéria orgânica, degradando-os em compostos menos tóxicos ou inofensivos.”
“Esse método se destaca por sua eficiência na purificação da água, muitas vezes eliminando a necessidade de adição de produtos químicos externos e reduzindo a formação de subprodutos nocivos”, ressalta o pesquisador. “Além disso, pode ser aplicado a diferentes tipos de águas residuais, tornando-se uma alternativa sustentável para o tratamento de efluentes.”
Menos energia e mais economia
De acordo com o químico, uma das principais limitações da técnica é o alto custo de implementação e operação, especialmente devido ao elevado consumo de energia elétrica. “Além disso, a vida útil dos eletrodos e a necessidade de manutenção periódica aumentam os custos operacionais, tornando o processo menos acessível em determinadas situações”, observa. “Outro fator crítico é a capacidade de tratamento, que pode ser insuficiente para grandes volumes de água, dificultando sua adoção em estações de tratamento de grande porte.”
“Além disso, a formação de subprodutos indesejados representa um desafio adicional, pois esses compostos precisam ser monitorados e controlados para evitar impactos ambientais adversos”, afirma Santacruz Parra.
“Diante dessas limitações, torna-se essencial o desenvolvimento de tecnologias mais eficientes e sustentáveis, bem como a integração dos processos eletroquímicos com outras abordagens para otimizar o tratamento da água e reduzir custos operacionais.”
Na primeira etapa da pesquisa, foi avaliada a eficácia do carvão ativado na adsorção (adesão) de compostos orgânicos. “Devido à sua estrutura altamente porosa e à grande área superficial, o carvão ativado permite a fixação das moléculas dos contaminantes em sua superfície por meio de interações físicas”, relata o pesquisador. Em seguida, ocorre o processo de dessorção (retirada das substâncias aderidas), quando o metanol passa através do carvão saturado, promovendo a liberação dos poluentes. “Esse procedimento concentra os contaminantes em um volume reduzido de metanol, tornando o tratamento subsequente mais eficiente”, descreve o químico.
“Por fim, a solução concentrada de contaminantes é submetida ao tratamento eletroquímico para a degradação dos poluentes. Esse método possibilita a regeneração do carvão ativado para reutilização em novos ciclos de adsorção”, diz Santacruz Parra. “Além disso, o metanol residual pode ser destilado e purificado, permitindo seu reúso em futuros processos de dessorção, tornando o sistema mais sustentável e economicamente viável.”
Compostos reaproveitados
Na segunda etapa do trabalho, para identificar as substâncias formadas no tratamento eletroquímico em meio alcoólico, foi usada a espectroscopia de ressonância paramagnética eletrônica (RPE). A técnica mede a energia absorvida pelas espécies do sistema, as quais são identificadas separadamente com o auxílio de simulações computacionais. “Devido ao uso de solventes orgânicos, diferentes tipos de substâncias foram geradas, principalmente a partir da oxidação do metanol ou etanol”, destaca o químico. “Muitas dessas espécies diferem daquelas tradicionalmente reportadas para meios aquosos, e demonstraram alta capacidade de oxidação de contaminantes orgânicos.”
Essas espécies impactam significativamente o processo de oxidação, influenciando tanto a eficiência da degradação quanto a formação de subprodutos durante o tratamento eletroquímico. “A depender das condições operacionais e do solvente utilizado, diferentes compostos intermediários podem ser gerados”, afirma o pesquisador.
“Algumas dessas espécies favorecem a degradação completa dos poluentes, enquanto outras podem levar à formação de intermediários com valor agregado, que podem ser reaproveitados em aplicações industriais”, diz Santacruz Parra. “Pesquisas desenvolvidas por estudantes do nosso grupo mostraram que podem ser formados compostos com aplicação na indústria de perfumaria, na produção de fragrâncias e aromatizantes, e ser usados como solvente ou aditivos na fabricação de vários produtos industriais ou síntese orgânica.”
Tratamento
O trabalho foi conduzido no IQSC sob a liderança do professor Artur de Jesus Motheo, com a colaboração dos alunos de pós-graduação do Grupo de Eletroquímica Interfacial e Ambiental. Além disso, a pesquisa teve o apoio do Grupo de Pesquisa em Engenharia Química da Universidade de Castilla-La Mancha, na Espanha, liderado pelo professor Manuel Andrés Rodrigo. Em seu laboratório, foram conduzidos os primeiros estudos sobre o tratamento de efluentes por eletrólise em meio alcoólico.
Com o auxílio do professor Otaciro Rangel Nascimento, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, foram empregadas técnicas avançadas de espectroscopia, permitindo a caracterização detalhada das substâncias geradas durante o processo. Atualmente, Santacruz Parra realiza estágio de doutorado na Universidade de Castilla-La Mancha, com ênfase em desenvolvimento de reatores por impressão 3D para aplicação no tratamento de água. O trabalho é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
O artigo Radical species formation during electrochemical treatment of organic pollutants in methanol: Effects of active and non-active anodes in chloride and sulfate media está disponível on-line e pode ser lido aqui.
Mais informações: williamsp@usp.br, com William Santacruz Parra
*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Matéria – Jornal da USP
Texto: Júlio Bernardes
Arte: Simone Gomes e Beatriz Haddad*