Fornecedores e Profissionais de óleo e gás precisam se reniventar em meio à transição energética, aponta KPMG
As grandes petroleiras ao redor do globo já estavam de olho em oportunidades em energias renováveis quando o mundo foi afetado pelos impactos da pandemia de Covid-19. Com o futuro caminhando cada vez mais rumo à transição energética, as empresas que fazem parte da cadeia de fornecedores também precisam acompanhar essa tendência. Para o sócio líder de energia e recursos naturais da KPMG no Brasil, Anderson Dutra, é hora de se reinventar. “De fato, será preciso se readaptar. As empresas produtoras de energia estão fazendo uma gestão mais eficiente e sustentável de seus portfólios. Elas começam a olhar para os projetos dentro de casa que são mais sustentáveis”, analisou. “Os fornecedores vão precisar se reinventar e adaptar os seus serviços às fontes e energias renováveis”, acrescentou. Por tabela, os profissionais das empresas do setor de O&G também precisam estar atentos às novas demandas dos contratantes para garantirem sua alocação no mercado. “As empresas hoje vão começar a olhar a formação do mindset das pessoas mais do que as suas respectivas habilidades. Ou seja, como elas reagem a determinadas situações, sejam hostis ou prazerosas”, projetou. Conforme noticiamos recentemente, a KPMG fez uma pesquisa com CEOs de empresas globais de energia sobre a postura desses executivos frente a temas como sustentabilidade, meio ambiente e a força de trabalho.
Gostaria de começar comentando um pouco sobre os resultados da pesquisa. Por exemplo, que tipos de ganhos de sustentáveis foram citados pelos executivos e quais os impactos para toda a cadeia do setor de energia?
Quando os executivos falam em ganhos sustentáveis, eles querem dizer que não será mais admitido um retorno ao acionista que não tenha um alicerce sustentável. Ou seja: uma receita que tenha sido gerada por atividades que não tenham como base a avaliação do meio ambiente, os aspectos sociais e uma estrutura robusta de governança. Então, os índices de ESG [meio ambiente, social e governança] estão vindo à tona. As empresas começam a avaliar indicadores de performance que tragam resultados baseados em alicerces sustentáveis.
Isso não quer dizer que, no exemplo de uma indústria de óleo e gás, a venda do petróleo não gere mais receita. Não é isso. Só que essa venda precisa estar atrelada a tecnologias de sequestro de carbono, reaproveitamento de resíduos, tratamento eficiente de efluentes e melhor aproveitamento da água. Todo o ganho de uma atividade extrativista tem que ter os aspectos sustentáveis como alicerce.
Essa tendência vai se manter no pós-Covid?
Sem dúvida nenhuma. O pós-Covid trouxe esse aspecto de ESG como um dos aspectos mais relevantes. Eu destaco alguns pontos que foram evidenciados na pesquisa. O primeiro é sobre o ambiente interno das empresas. Esse aspecto social de avaliar o ambiente de trabalho, de dar qualidade de execução de trabalho aos profissionais e prepará-los para essa transição se tornou algo muito prioritário na agenda. Por mais que se dissesse que esse tipo de evento [pandemia] poderia acontecer, ninguém previa essa mudança comportamental tão drástica.
Um fato curioso: em maio do ano passado, no auge do lockdown, um cliente de uma grande operadora multinacional me ligou e disse que em março havia um desespero sobre como os engenheiros trabalhariam, porque estavam muito acostumados a estar em campo. Mas depois, eles fizeram uma avaliação e os engenheiros de campo, que sempre estavam no fronte da exploração e na produção do petróleo, se tornaram os profissionais mais eficientes com esse processo de lockdown.
Outro ponto que sempre esteve no topo da agenda, mas que se tornou cada vez mais necessário, são os aspectos das mudanças climáticas. As companhias também começaram a olhar para esses aspectos e analisam os impactos dessas mudanças dentro do meio ambiente.
Externamente ao ambiente das empresas haverá também mudanças após a pandemia?
Quando olhamos para fora, um aspecto curioso é que isso se reflete no consumo. Hoje, a dinâmica do consumo de energia é diferente. É uma dinâmica mais intermitente. Um exemplo: funcionários que trabalham em um prédio que tinha uma demanda constante de energia, e que agora passaram a trabalhar em casa. Eles começaram a demandar um perfil de consumo diferente. Os profissionais trabalhando de casa não estão utilizando transporte público. Então, houve a redução do consumo de combustível.
Não é à toa que o próprio preço do barril, em meados da pandemia, sofreu um grande baque nas suas projeções de médio e longo prazo. Por mais que estejam voltando gradativamente, não serão a preços anteriores aos da pandemia. A previsibilidade do comportamento do consumidor prevista para 2030/2035 vem sendo antecipada. É muito provável que aquela previsão anterior também se antecipe e toda essa mudança de comportamento e migração para consumo de combustível mais renovável aconteça antes de 2035.
E quais oportunidades surgirão para a cadeia de fornecedores a partir dessa transição energética?
Os fornecedores vão precisar se reinventar e adaptar os seus serviços às fontes e energias renováveis. Por exemplo: uma empresa que está acostumada a prestar serviços exclusivamente para operações de poços terá que se adaptar, criando um pouco de sinergia com serviços de wind farms. As companhias acostumadas a operação e manutenção de plataforma offshore, devem se adaptar a um serviço semelhante em uma plataforma offshore de energia eólica, por exemplo.
É o mesmo caso daquelas empresas especializadas em manutenção de redes em lugares ermos. Essas companhias também deveriam estar se aperfeiçoando à gestão de ativos solares, por exemplo.
De fato, será preciso se readaptar. As empresas produtoras de energia estão fazendo uma gestão mais eficiente e sustentável de seus portfólios. Elas começam a olhar projetos dentro de casa que são mais sustentáveis. Essas companhias estão deixando de lado os projetos menos sustentáveis. Você vê muita empresa de óleo e gás adquirindo plantas solares, plantas eólicas e fazendo parcerias com empresas de energia elétrica.
E quais foram os principais resultados da KPMG sobre os impactos da digitalização nos negócios?
São dois grandes aspectos. O primeiro é muito ligado a automatização de uma série de processos manuais, que se revelaram nocivos nesse processo de pandemia. Foi possível ver uma série de atividades que não trazem visibilidade à tomada de decisão. Então, automatizar processos se tornou algo crucial para a sobrevivência das empresas, mantendo a margem de retorno muito adequada ao acionista. As empresas começaram a olhar para processos e controles que eram muito manuais. Esse é o primeiro aspecto da digitalização, que é extremamente importante.
Esse aspecto vem casado com o fato de que você precisa convergir as informações que estão no ambiente operativo com o ambiente de informação tecnológica. Essa convergência se tornou crucial para dar agilidade na tomada de decisão. A agilidade passa a ser extremamente relevante nesse período.
O segundo aspecto é muito ligado à comunicação com os clientes. A comunicação sempre foi algo muito relevante. Mas agora ela tornou-se crucial, uma questão de sobrevivência. Isto é, fazer com que o cliente entenda toda a dinâmica e toda a narrativa que você tem para gerir seus negócios. Esse segundo aspecto, inclusive, virá com uma força ainda maior quando o Brasil implementar o 5G, que vai acelerar ainda mais esse processo de comunicação, já que é uma rede mais ágil, segura e estável na transmissão de dados.
Vamos entrar em um cenário de pós-Covid e valorização de valores ESG. Diante desse quadro de transformações, o que mudará para a força de trabalho?
Essa é uma coisa curiosa. As empresas hoje vão começar a olhar a formação do mindset das pessoas mais do que as suas respectivas habilidades. Ou seja, como elas reagem a determinadas situações, sejam hostis ou prazerosas. Essa é a mudança gritante que eu enxergo no mercado.
Eu te digo isso com experiência própria. Hoje, dentro da KPGM, a última coisa que olhamos é o currículo e as habilidades reais do candidato. Antes, procuramos entender como esse profissional lida com determinadas situações. Pode parecer uma coisa muito óbvia, mas o fundamento disso é extremamente complexo.
Uma pessoa ter habilidades técnicas não significa que ela saiba se adaptar a todas as situações coerentes de sua formação. Então, olhar o mindset passa a ser algo muito importante dentro das empresas. O mindset não é algo fixo ou genético, é algo que pode ser construído e desenvolvido. Aquele profissional que conseguir enxergar isso e trabalhar o seu psicológico para essas situações, vai sair na frente.
Fonte: Petronotícias | Davi de Souza