Fluoretação da água beneficia a economia e a saúde pública
No século 21, a recorrência de cárie dentária na população brasileira foi amplamente reduzida, devido ao investimento em tratamento de água, saneamento e saúde pública, principalmente em regiões urbanas. Apesar da melhoria significativa, a cárie ainda é a doença oral não transmissível mais prevalente do mundo. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Produto Interno Bruto (PIB) regional são fatores centrais para avaliar a vulnerabilidade de diferentes grupos do País a essa doença, tendo em vista a desigualdade do acesso à prevenção e tratamento dentário.
Lorrayne Belotti é doutora em Saúde Pública pela USP e integrante do Centro Colaborador do Ministério da Saúde em Vigilância da Saúde Bucal (Cecol) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP. Ela desenvolveu uma pesquisa para mensurar o custo-benefício e o custo-efetividade da implementação da fluoretação da água no Brasil. “O objetivo da fluoretação é reduzir em nível populacional a prevalência da cárie”, explica.
Implementada em 1953 e obrigatória por lei desde 1974, a Fluoretação da Água Comunitária (CWF, na sigla em inglês) ainda não é consolidada em nove capitais brasileiras do Norte e do Nordeste, sem considerar as regiões interioranas e rurais, nas quais a distribuição de água tratada é ainda mais precária. “É uma omissão, tanto das autoridades de saneamento, quanto do Ministério Público nesses locais”, diz Paulo Frazão, orientador do estudo e coordenador geral do Cecol.
A pasta de dente fluoretada, apesar de popular, não é garantida aos grupos socioeconômicos mais baixos. “Quando ajustamos o fluoreto na água de abastecimento, todas as pessoas são alcançadas, independentemente da condição social ou do poder de comprar um creme dental”, salienta Frazão.
O estudo foi realizado com enfoque na população infantil. Baseando-se em estudos internacionais no tema, com métodos aplicados na Austrália, Estados Unidos e países da Europa, Lorrayne notou que não havia dados suficientes comparando a efetividade econômica da fluoretação com a condição social dos estratos e portes populacionais diversos que existem no Brasil. Essa análise demográfica é crucial para o avanço do conhecimento científico em diferentes contextos socioculturais.
“Como pensar em uma política pública em nível nacional, que já é cientificamente comprovada como efetiva, se no Brasil a discussão não existia?”, questiona. Lorrayne comenta que estudos prévios de pesquisadores da FSP já calculavam o custo da fluoretação per capita, mas não a economia para as famílias. “Nessa tese, damos um passo a mais: a gente põe na balança a economia para o Estado e, do outro lado, a redução de custo para a população no futuro”, diz.
Baixo custo por família
O benefício para as famílias foi determinado a partir de indicadores diversos. Entre eles estão todas as despesas incorridas pelo paciente e seus acompanhantes devido à cárie, tanto para acessar o serviço odontológico, quanto despesas secundárias, como perda de produtividade e transporte para o consultório. Também constam, nos benefícios, a estimativa de cáries evitadas anualmente — retirada de uma revisão sistemática que comparou o índice de cáries em áreas fluoretadas com áreas não fluoretadas.
Para contabilizar o custo da fluoretação, alguns critérios também foram considerados: o valor do serviço de instalação, do produto químico (flúor), custos operacionais do sistema e de monitoramento. Em contrapartida, foi avaliado quanto o sistema público de saúde gasta com equipe e materiais necessários para oferecer o tratamento odontológico.
“O custo de fluoretar é muito baixo, e quando calculamos por família, diminuiu bastante”, comenta Lorrayne. O maior custo-benefício foi constatado para a faixa etária de 7 a 12 anos — ultrapassando R$ 50 per capita em cidades com mais de 500 mil habitantes —, mas ele foi positivo em todos os cenários e idades onde a população atendida era igual ou maior a 6 mil pessoas.
Os autores apontam que alguns benefícios não puderam ser contabilizados pela metodologia, mas devem ser levados em consideração, como a aceitabilidade social e a redução da dor e desconforto, ligados à diminuição de extrações e implantes dentários.
Vigilância da saúde bucal
Segundo o professor Frazão, um legado de pesquisas do Departamento de Política, Gestão e Saúde da FSP culminou na criação do Cecol. As linhas de estudo vão desde a inspeção da segurança do flúor até a análise da qualidade da fluoretação. “A gente realiza uma atividade de vigilância sanitária, comparando as características de amostras coletadas da água com aquelas divulgadas pelas companhias de abastecimento”, reforça.
Também há projetos para acompanhar a instalação de sistemas de abastecimento fluoretados e para verificar os efeitos da interrupção deste tratamento internacionalmente. Em 2015, 78,6% da população tinha acesso à água ajustada para flúor a 0,7 mg/L em municípios com 50 mil ou mais habitantes. No entanto, a qualidade da fluoretação não era a mesma em todos eles.
“Disseminar o uso do fluoreto tem um efeito que vale mais do que milhares de dentistas juntos, porque consegue prevenir a doença antes da sua instalação” Paulo Frazão
Frazão explica como a substância atua: “uma quantidade mínima de fluoreto retarda a desmineralização do esmalte dentário e acelera a remineralização após a ingestão de açúcares e carboidratos”. O efeito do fluoreto interfere na dissolução dos minerais do dente, como a hidroxiapatita, provocada pelas bactérias produtoras de ácidos. Ele complementa que, no processo de cozimento de alimentos com essa água, o fluoreto é absorvido, entra em circulação no sangue e, posteriormente, é liberado na saliva.
O cientista também conta que apenas em 2023 foi aprovada a Lei da Saúde Bucal no Sistema Único de Saúde. Na 10ª diretriz deste documento, consta a exigência de “implantar e manter ações de vigilância sanitária da fluoretação das águas de abastecimento público, bem como ações complementares nos locais em que se fizerem necessárias”.
“O Congresso Nacional aprovar essa estratégia como uma política pública institucionalizada reconfirma a sua importância”, defende. “Nos anos 1980, as crianças de 12 anos tinham, em média, 7,5 dentes atacados por cáries. Hoje, a média é de 2,3”, aponta o professor.
Perigos da desinformação
Além de se instaurar como um problema social e de saúde pública, a fluoretação da água é prejudicada pela disseminação de fake news que dificultam a conscientização popular sobre a importância e segurança da medida. “Vemos discussões on-line falando que existe relação entre fluoretar a água e diminuir o QI da população, ou entre fluoretar água e o aborto”, exemplifica Lorrayne.
“Isso incentiva o desinteresse político, por parte da população, de exigir o serviço em lugares que precisam”, critica. Segundo a cientista, é necessário romper a barreira academicista da ciência para que assuntos de interesse público possam ser discutidos diretamente com as comunidades, otimizando a qualidade da informação que circula nas redes.
Frazão explica que, desde os anos 1950, é comprovado cientificamente que o flúor em excesso faz mal para a saúde humana — mas não nas quantidades regulamentadas para o sistema de abastecimento. “Esse tipo de notícia é muito atraente por gerar cliques, e os sites se aproveitam dessa informação alarmista”, conclui.
Mais informações: e-mail lorraynebelotti@usp.br, com Lorrayne Belotti, e pafrazao@usp.br, com Paulo Frazão
*Estagiária sob orientação de Tabita Said
Matéria – Jornal da USP
Texto: Gabriela Nangino*
Arte: Simone Gomes
Imagem – A dentição decídua (dentes de leite) e permanente foram avaliadas, e a pesquisadora relatou surpresa quando notou que o custo-efetividade foi mais alto na dentição decídua – Foto: Lucas Aguiar