Finanças Verdes Tornam-se a Aposta
Ok, não sejamos “Polianas”: por mais sustentável que seja uma empresa, ela não atrairá muitos investidores se não estiver dando lucro. Mas é exatamente nesse ponto que o conceito ESG está revolucionando o mercado financeiro: a ideia é demonstrar, cada vez mais, o quanto é possível conciliar as duas coisas.
“Antes, o investidor só queria saber do retorno financeiro, sem se preocupar com o impacto. Havia essa visão de um lado, e a filantropia no lado oposto. Agora estamos buscando o caminho do meio. Retorno, sim, mas levando em conta o impacto”, disse Andrea Minardi, professora do Insper, durante um dos painéis do Summit ESG Estadão.
Celso Lemme, professor do Instituto de Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), ressaltou que esse processo envolve até a revisão do conceito de dever fiduciário – o compromisso que existe entre um investidor e o agente financeiro. Anteriormente, lembrou o professor, investir em empresas com base nos critérios de sustentabilidade poderia ser considerado um desvio desse dever. “Agora é o contrário. Observar as questões ambientais na gestão dos recursos é parte das obrigações com o dono do dinheiro.”
Adaptação
Para Rogerio Monori, diretor executivo de Corporate & Investment Banking e Tesouraria do Banco BV, os bancos têm papel de indutores dessa transformação, com a missão de alocar o capital da forma que mais interessa aos stakeholders, e não apenas aos acionistas. “Já optamos por deixar de fazer transações que seriam muito rentáveis, mas envolviam empresas que deixavam a desejar em ESG”, descreveu. O BV já é Net Zero em suas operações e, líder do mercado de financiamento de automóveis, tem a meta de neutralizar, até 2030, as emissões de toda a frota que financia.
Fernanda Camargo, integrante do Grupo Consultivo de Sustentabilidade da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), considera que a fase é de educação e de adaptação para todos que atuam nesses mercados. “Já temos no Brasil 160 fundos que se dizem ‘verdes’, ‘ESG’ ou ‘sustentáveis’, mas há grandes dificuldades de entendimento e na formulação dessas metodologias”, descreveu.
A Anbima deve se envolver progressivamente no monitoramento e na certificação desses fundos, anunciou Fernanda. “Mas é importante definir parâmetros factíveis. Se colocar a barra muito alta, ninguém adere. É preciso ir compartilhando muita informação para ir subindo a barra aos poucos.”
Reputação
Empresas que desprezam o peso que as práticas ESG vêm ganhando podem sofrer grandes impactos na imagem – e nas finanças. Toda a movimentação em torno das práticas ESG vem chamando a atenção de dois públicos essenciais para as empresas: os investidores e os consumidores. “Um estudo recente demonstrou que 85% dos consumidores brasileiros dizem se sentir melhor ao optar por produtos sustentáveis”, afirmou o professor Marcus Nakagawa, especialista em sustentabilidade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), durante um dos painéis do Summit ESG Estadão.
Do ponto de vista do mercado financeiro, a repercussão é semelhante. “Hoje, 70% dos investidores querem que esses critérios sejam levados em conta nos seus investimentos”, diz Frederic de Mariz, líder no Brasil de UBS, empresa global que presta serviços financeiros a pessoas físicas e organizações, com foco especial em gestão de fortunas. Ele diz perceber a preocupação crescente das famílias mais ricas do País em contribuir para a melhora das condições gerais de vida e, assim, deixar um legado.
Esse maior interesse de investidores e consumidores envolve, também, um nível maior de vigilância e cobrança sobre as ações das empresas. O professor Nakawaga chama a atenção para os riscos crescente de práticas como o greenwashing, termo em inglês que define a falsa adesão ou a adesão superficial aos princípios de sustentabilidade. “A tolerância das pessoas é cada vez mais baixa, especialmente dos mais jovens. Fenômenos como o ‘cancelamento’ nas redes sociais são rápidos e têm alta capacidade destrutiva para a reputação das marcas”, alerta o professor. “Oito em cada dez integrantes da geração Z, que está entrando agora no consumo, param de comprar de empresas envolvidas em situações consideradas negativas”, ele acrescenta.
Core business
Os riscos evidenciam a importância da busca, pelas empresas, de informações sólidas sobre os princípios ESG. Muitas ainda cometem o erro de divulgar números que podem ser facilmente contestados. Um exemplo típico está na participação feminina em cargos de gestão. Ao anunciar essa métrica, é fundamental deixar claro quais níveis hierárquicos estão sendo incluídos na contagem.
Outro ponto crucial para a reputação das organizações, alertam os especialistas, é dar o devido peso aos indicadores que têm relação direta com os negócios da organização. Uma transportadora precisa focar nas mudanças climáticas e uma empresa de call center, com grande número de empregados, tem de dar destaque à relação com os trabalhadores, por exemplo. Se a transportadora enfatiza o incentivo ao esporte ou a empresa de call center destaca o projeto de coleta seletiva de lixo, isso pode soar como uma nuvem de fumaça para disfarçar a falta de atuação nas áreas que são realmente as mais importantes para essas empresas.
8 Razões para pensar em um novo modelo
1. Investimento
Segundo o jornal Financial Times, em 2018 o setor de investimentos em ESG foi estimado em cerca de US$ 31 trilhões.
2. Compra
Pesquisa da consultoria McKinsey revelou que 85% dos brasileiros dizem que se sentem melhor comprando produtos sustentáveis, e uma pesquisa global mostrou que 97% dos entrevistados esperam que as marcas solucionem problemas sociais.
3. Desempenho
Um estudo da Universidade de Nova York apontou que 58% das empresas que seguem os princípios de sustentabilidade registraram melhora dos resultados operacionais e performance financeira.
4. Lucro
O Fórum Econômico Mundial estima um aumento de 25% a 36% na lucratividade; 20% nas taxas de inovação; e 30% na habilidade de identificar e reduzir riscos nos negócios nas empresas que investem na diversidade de suas equipes conjugarem mais conhecimentos e habilidades, repertório emocional e margem de acesso a novos mercados.
5. Desenvolvimento
A KPMG constatou, em seu estudo “Chegou a hora”, que 67% das 100 maiores corporações brasileiras conectam as informações apresentadas em seus Relatórios de Sustentabilidade aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, compostos por metas a ser alcançadas pelos países até 2030.
6. Startups
Relatório da consultoria ACE Cortex, identificou ao menos 343 startups com soluções relacionadas ao ramo ESG no Brasil. De acordo com o trabalho, 180 atuam no setor ambiental, 130 com negócios de impacto social e 33 com soluções de governança.
7. Atualidade
Ainda conforme a ACE, 46% dos empreendedores e colaboradores de grandes companhias afirmam já lidar com programas de ESG em suas empresas e 92% acreditam no valor desse conceito.
8. Fundos
A Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) fez um levantamento que aponta que, com a pandemia, 136 fundos de investimentos já se denominam ESG.
Fonte: Estadão