“Debate internacional sobre o glifosato está apenas no início”, alerta especialista do Freitag Laboratórios
Anvisa libera herbicida e abre consulta pública por um período de 90 dias; proibição de agrotóxico afetaria significativamente produção de soja no país, mas seus efeitos colaterais ainda são incertos
No mês passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concluiu a reavaliação toxicológica do glifosato, agrotóxico mais utilizado no Brasil e que estava em reavaliação pelo órgão desde 2008. Segundo a análise da agência, o herbicida pode continuar a ser comercializado já que não foram encontradas evidências que o relacionem com o surgimento de doenças, sobretudo, de origem cancerígena.
Para chegar nesses resultados, a agência informou que foram analisados estudos científicos, dados de monitoramento em água e de intoxicações, além de relatórios internacionais e estudos de empresas que registraram a substância. No entanto, apesar do parecer da agência, a pauta ainda não foi concluída e passará por consulta pública por um período de 90 dias, o que também gera mais dúvidas sobre os efeitos colaterais da substância.
Único herbicida registrado para aplicação em soja geneticamente modificada, o glifosato é utilizado no país desde o fim da década de 70. Porém, recentemente vem passando por diversas reavaliações de órgãos ambientais e de saúde para comprovar seus reais efeitos. Um estudo recente, por exemplo, realizado por pesquisadores da Universidade de Washington, concluiu que a substância aumenta consideravelmente o risco de linfoma não-Hodgkin (NHL), um câncer que tem origem nas células do sistema linfático. O relatório analisou todos os últimos casos repercutidos sobre o impacto do glifosato em humanos.
Para Grace Jenske, engenheira química e coordenadora técnica do Freitag Laboratórios, ainda não há um consenso internacional sobre os riscos do glifosato, embora o mesmo seja apontado pela própria Agência Internacional de Pesquisa do Câncer, da Organização Mundial da Saúde (OMS), como um potencial cancerígeno. “Existem estudos sobre o glifosato em sua forma pura, que indicam que ele provavelmente não causa danos à saúde, como existem outros que levam em consideração as interações moleculares do glifosato com ingredientes inertes, esses já apontam que a mistura desses compostos podem ampliar os efeitos tóxicos sobre células humanas”, explica.
Segundo a especialista do Freitag Laboratórios, o debate sobre os riscos do produto está apenas no começo e muitas pesquisas ainda devem surgir nos próximos anos. No entanto, acredita-se que os últimos acontecimentos apontam para uma possível normatização. “É o início do processo para regulamentar a utilização desse agrotóxico no país. Como ainda não se tem um consenso sobre os seus efeitos na saúde humana, a Anvisa optou por estabelecer alguns limites para minimizar possíveis impactos ainda desconhecidos”, complementa Grace sobre as novas propostas da agência para comercialização da substância.
De acordo com a engenheira química, da mesma forma que não há um consenso sobre os impactos do glifosato, também não há conhecimento de outros pesticidas capazes de substituí-lo. Para Grace, as alternativas existentes até o momento não são suficientemente viáveis. Uma delas é a grade, uma técnica da agricultura que caiu em desuso nos anos 80 por estar diretamente associada a erosão do solo. Já a respeito dos herbicidas alternativos, diz que esses requerem aplicações em maior quantidade, consumindo maiores volumes de água e tornando o custo e o tempo do tratamento superiores aos gastos com o glifosato.
A coordenadora técnica do Freitag Laboratórios ressalta ainda que a decisão final sobre o produto terá grande impacto para os produtores de soja. “O Brasil é o segundo maior produtor do grão no mundo e estima-se que 85% da soja plantada no país é geneticamente modificada para ser resistente ao glifosato. Com a proibição do agrotóxico, pode-se esperar uma queda de produtividade por hectares em decorrência do consumo de nutrientes do solo por outras culturas indesejadas, principalmente as ervas daninhas”, garante.
Para Grace, enquanto as agências brasileiras e internacionais não encontram uma resolução sobre o tema, o caminho mais viável para o país seria a aprovação de uma política nacional para redução do uso de agrotóxicos nas plantações e de incentivo para o desenvolvimento de alternativas sustentáveis e economicamente viáveis para a agricultura, o que vai na contramão dos rumos que o país está tomando.