Data dependent analysis: um exemplo em toxicologia forense
A análise de drogas de abuso em amostras toxicológicas é desafiadora: são analitos de ampla variedade estrutural com diferentes classes e propriedades físico-químicas. A inclusão de novas drogas a serem monitoradas é constante e ainda podem existir diversas possibilidades de metabólitos. Neste contexto, muitos analitos de interesse não tem estrutura conhecida. Como realizar uma análise quali e quantitativa que, em uma única corrida, forneça informações sobre analitos procurados e aqueles que não estão no radar? Nesta edição veremos como a análise untargeted, especificamente DDA, é fundamental para triagem e quantificação em toxicologia forense.
Palavras-chave: Orbitrap, toxicologia, drogas de abuso, MS databases, identificação estrutural, DDA, data dependent analysis, dopping.
Nas duas edições anteriores vimos a análise quantitativa a partir de precursores ou padrões de fragmentação específicos. Esta abordagem é conhecida como análise targeted, ou seja, tem alvos conhecidos e específicos entre os componentes de uma mistura. Por exemplo, os métodos tSIM (do inglês, targeted single ion monitoring) e tMS2. Este experimento parte de uma lista de precursores-alvo, que são selecionados e fragmentados para quantificação e confirmação de identidade. Mas como fazer quando a estrutura do analito não é conhecida? As análises untargeted são o contraponto a esta abordagem, pois não é necessário definir um precursor ou padrão de fragmentação para realizar a obtenção de dados. Nesta edição veremos um exemplo de metodologia desenvolvida com o Thermo Scientific Orbitrap ExplorisTM 120 para triagem e quantificação de drogas em urina.¹
Análises toxicológicas são desafiadoras por diversos motivos. A complexidade da matriz biológica traz diversos interferentes que podem suprimir a detecção dos analitos de interesse, que geralmente estão em quantidade muito pequena. Com a alta demanda nos laboratórios, é desejável utilizar preparos de amostra com mínima intervenção e metodologias instrumentais robustas e rápidas. Além disso, há uma busca por métodos multi-analitos, que permitem a varredura de centenas de compostos em uma única análise. Fica claro que este é um desafio e tanto, fazendo da HPLC-MS uma metodologia padrão ouro neste nesta área.
Como analisar um painel de drogas e metabólitos com essa imensa diversidade estrutural? A análise targeted detecta apenas compostos conhecidos e listados já na aquisição de dados, sendo impossível cobrir a diversidade estrutural da toxicologia. Do outro lado, a análise untargeted não tem alvos específicos, mas dá um panorama geral dos compostos presentes na amostra. Uma abordagem bastante utilizada é a DDA (análise dependente de dados, do inglês, data dependent analysis). Como o nome já diz, em DDA o dado adquirido no MS (full scan) é a base para a seleção de precursores a serem analisados em MS2. Veja a comparação entre experimentos targeted e untargeted na figura 1.
Figura 1. Esquema de comparação entre experimentos targeted e untargeted.
Embora os instrumentos atuais sejam rápidos e sensíveis, é importante priorizar a aquisição de MS2 em compostos realmente relevantes para a análise: se o analisador está “ocupado”, compostos importantes podem não ser detectados. Por isso são aplicados filtros para esta seleção (Figura 2). A abundância é o critério mais comum, priorizando compostos com intensidade mais alta. Mas utilizar apenas este filtro pode gerar fragmentação repetida ou de precursores indesejados. Por exemplo, se o experimento ocorre em 10 scans, entre eles pode haver MS2 de interferentes da matriz ou isótopos do mesmo precursor, com grande perda de sensibilidade. A Tabela 1 comenta alguns filtros adicionais que aumentam a seletividade e sensibilidade de DDA.
Tabela 1. Filtros aplicados em DDA e suas funções.
Figura 2. Tela do editor de métodos do Thermo Fisher Scientific Orbitrap ExplorisTM. O experimento full scan é seguido de diversos filtros para seleção de 1) ddMS2 e 2) lista de inclusão. É possível determinar o tempo que o instrumento dedica a cada evento através do número de scans em cada ramificação do método (Fonte: software Thermo Fisher Scientific Method Editor).
Além dos filtros, é possível variar a energia de colisão aplicada com recurso stepped collision energy, que aplica diferentes energias para um mesmo precursor (Figura 3). Também é possível mudar a polaridade nas listas de inclusão. Esta versatilidade é fundamental na toxicologia, onde centenas de compostos com diferentes propriedades físico-químicas são detectados em uma mesma corrida cromatográfica.
Figura 3. Stepped collision energy: aplicação de diferentes energias de colisão (Fonte: tela do software Thermo Fisher Scientific Method Editor).
Um exemplo desta versatilidade foi obtido com a análise de mais de cem compostos de diferentes classes em matriz urina com 15 minutos de corrida. O preparo de amostra foi apenas a diluição 20 vezes em água com concentração final entre 0,1 e 1ng.mL-1 (Figura 4).
Figura 4. Cromatograma de íons extraídos de cem drogas analisados em urina.1
Como podemos interpretar os dados adquiridos? Para compostos conhecidos, esta nota técnica1 utilizou o software TraceFinderTM para organizar os dados de maneira automática. A figura 5 mostra o resultado de quantificação para morfina considerando os seguintes parâmetros:
· Massa exata do precursor: erro <5 ppm e intensidade >5000 au.
· Tempo de retenção: janela de 30s.
· Padrão isotópico: < 10ppm erro, <20% de desvio de intensidade e match >70%.
· Íon fragmento: presença de 2 fragmentos; erro <5ppm eintensidade > 5000au.
· Biblioteca espectral mzVaultTM: >70%
Figura 5. Análise de dados para morfina. Parte superior: resultado por amostra. Parte inferior: parâmetros de identificação (tempo de retenção, correspondência de isótopo, íons fragmentos e correspondência da biblioteca).
Além de um método robusto e sensível para compostos conhecidos, a análise untargeted armazena informações para análises retrospectivas. Por exemplo, para confirmar a presença de uma droga ou metabólito recém-descobertos é necessário apenas reprocessar os dados já adquiridos. Ainda sobre compostos desconhecidos, duas outras vantagens: 1) a biblioteca espectral pode ser atualizada conforme novos espectros forem atribuídos e 2) o processamento do dado em softwares específicos, como o Compound DiscovererTM, permite a detecção e quantificação de compostos de interesse que não constam na biblioteca espectral.
Gostou de saber um pouco mais sobre análise untargeted? Me procure no LinkedIn comentando quais temas gostaria de ver na próxima edição!
¹ Thermo Fischer Scientific. Orbitrap Exploris Series Orbitrap Exploris 120, Orbitrap Exploris 240, Orbitrap Exploris 480, and Orbitrap Exploris MX Operating Manual. BRE0014471 Revision E October 2021.
Daniele Fernanda de Oliveira Rocha
Bacharela em Química Tecnológica pela PUC-Campinas (2005), Mestra (2008) e Doutora (2013) em Química Orgânica, e pós-doutorado em Espectrometria de Massas (2018) pela Unicamp. Pós-doutorado em proteômica pelo The Scripps Research Institute – La Jolla, California (2016). Atualmente é Química de Aplicação Sênior na Nova Analítica (revendedor autorizado Thermo Scientific) e Coordenadora da Especialização em Análise Instrumental da PUC-Campinas.