Ciência brasileira alinha posição sobre energia limpa em reunião preparatória do G20 na Índia

Documento da Academia Brasileira de Ciências apresentado por Julio Meneghini, do RCGI, apoia iniciativas propostas para acelerar a transição energética rumo a um futuro sustentável
A criação de um fundo global de US$ 1 trilhão ao longo dos próximos 15 anos para o desenvolvimento de tecnologias de energia limpa está entre o conjunto de propostas apoiado por cientistas brasileiros em uma reunião temática preparatória para a cúpula do G20, ocorrida na cidade indiana de Agartala, entre os dias 3 e 4 de abril. As sugestões feitas com o objetivo de acelerar a transição energética, e assim abrir espaço para um futuro sustentável, mais verde e justo, foram expostas inicialmente pela Índia e receberam apoio da Academia Brasileira de Ciências (ABC) em documento apresentado pelo diretor científico do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), Julio Meneghini. A conferência “Clean energy for a greener future” foi promovida no âmbito do grupo Science 20, que reúne as academias nacionais de ciência dos países que integram o G20.
“No processo de transição para a energia limpa, considerações sobre justiça social e igualdade no acesso à energia são centrais”, diz a ABC no documento, redigido por Meneghini e pelos cientistas Alvaro Prata, Paulo Artaxo, Maurício Tolmasquim e Roberto Zilles. “A transição energética para fontes renováveis de energia e a mudança na estratégia de desenvolvimento em direção a um progresso econômico que demande uma quantidade menor de energia são hoje uma prioridade global para garantir um crescimento sustentável e socialmente justo.”
Com o apoio dos cientistas brasileiros, a Índia defende que o G20 — cujos países membros são responsáveis por cerca de 85% do Produto Interno Bruto (PIB) global, mais de 75% do comércio mundial e têm cerca de dois terços da população do planeta — assuma um esforço coordenado a fim de garantir recursos suficientes para promover avanços científicos que catalisem as tecnologias de energia.
Além do fundo global que garantiria um crédito mínimo de US$ 100 bilhões anuais para essa finalidade, os cientistas sugerem que o G20 crie uma organização ligada ao Banco Mundial para projetos de desenvolvimento de energia alternativa; forme um secretariado comum para tecnologias de hidrogênio verde a fim de licenciar a tecnologia aos países em termos justos, como um bem comum público; estabeleça um corpo intergovernamental dentro da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) a fim de coordenar projetos existentes no campo da fusão nuclear; crie um fundo de US$ 10 bilhões para apoiar startups da área de pesquisa em energias alternativas e tecnologias de captura, armazenamento e uso do carbono (CCSU, na sigla em inglês); forme uma Aliança Internacional para o hidrogênio verde; e crie um organismo comum para recomendar padrões mínimos e modelos de legislação relacionados à reciclagem, pois o processamento dos resíduos de painéis solares e baterias, por exemplo, representa um grande desafio.
Os brasileiros sugeriram, para essa última iniciativa, incluir o conjunto de tecnologias que associa os sistemas de bioenergia – os empregos da energia de biomassa — à captura e ao armazenamento de carbono (em inglês, BECCS). “Uma sugestão menor, mas relevante”, afirmam no texto.
Situação brasileira favorável – De acordo com o documento apresentado pela ABC, 80% das fontes primárias de energia do mundo ainda vêm dos combustíveis fósseis, importantes geradores de gases de efeito estufa, embora o uso de fontes renováveis tenha crescido nos últimos 20 anos. A geração solar e a eólica ainda representam apenas por volta de 2% do suprimento global de energia. O Brasil tem uma condição única em termos de suprimento de energia, pois enquanto no mundo somente 15% da energia vem de fontes renováveis, no nosso país essas fontes são responsáveis por 48,4% na matriz energética.
Com relação à energia elétrica, os cientistas enfatizam que a situação brasileira é ainda mais favorável do que a média mundial. Em 2021, o Brasil registrou uma demanda de eletricidade de 656 terawatts-hora (TWh): 56,8% vieram de fontes hidráulicas; 10,6% de usinas eólicas; 8,2% de biomassa; e 2,5% de plantas fotovoltaicas. Ou seja, 78% da eletricidade gerada no Brasil veio de fontes renováveis e atualmente se estima que esse número esteja perto de 90%. Nos últimos anos, a instalação de usinas eólicas, em especial no Nordeste e no Sul, registrou forte crescimento e a previsão é de que a energia eólica passe a responder por 15,3% da demanda do sistema elétrico do país em 2027. No começo de 2023, quando o país tem no total 183,2 gigawatts (GW) de capacidade instalada para a geração de energia, 60,3% são de fontes hidráulicas, 13,1% de usinas eólicas, 8,4% de biomassa e 3,9% de sistemas centralizados de geração solar fotovoltaica.
Os cientistas afirmam que os níveis de participação da energia eólica e solar podem e tendem a aumentar e, portanto, o país terá de lidar com questões operacionais relacionadas à intermitência desses recursos. Os sistemas de armazenamento de energia, ressaltam, vão se tornar cada vez mais relevantes, em todo o mundo. Uma vantagem do Brasil é que os reservatórios das usinas hidrelétricas permitem o armazenamento de água nos períodos de abundância de geração eólica e solar, para o seu uso em momentos de pouco vento ou à noite. Mesmo assim, ressaltam, é importante que sejam desenvolvidas alternativas para o armazenamento de energia.
O documento da ABC afirma que, embora o Brasil tenha uma matriz elétrica composta predominantemente de fontes renováveis, as usinas termelétricas operam para garantir segurança energética e emitem grandes quantidades de gases de efeito estufa. Além disso, há regiões mais isoladas, como por exemplo na Amazônia, que não estão conectadas ao sistema elétrico nacional e são abastecidas por unidades termoelétricas que operam com óleo diesel. Nesses casos, uma alternativa viável seriam os sistemas híbridos com geração de energia solar e/ou eólica e armazenamento eletroquímico ou via hidrogênio.
Os pesquisadores também citam como alternativas para a descarbonização a captura e o armazenamento do dióxido de carbono (CO2) proveniente da produção do etanol; o armazenamento do CO2 nos reservatórios e cavernas dos campos do pré-sal; e o armazenamento do carbono em formações geológicas terrestres próximas às plantas de produção de combustível renovável.
Sobre o RCGI – O Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI) é um Centro de Pesquisa em Engenharia, criado em 2015, com financiamento da FAPESP e da Shell. As pesquisas do RCGI são focadas em inovações que possibilitem ao Brasil atingir os compromissos assumidos no Acordo de Paris, no âmbito das NDCs – Nationally Determined Contributions. Os projetos de pesquisa – 19, no total – estão ancorados em cinco programas: NBS (Nature Based Solutions); CCU (Carbon Capture and Utilization); BECCS (Bioenergy with Carbon Capture and Storage); GHG (Greenhouse Gases) e Advocacy. Atualmente, o centro conta com cerca de 400 pesquisadores.