Alta pressão melhora a qualidade de produtos cárneos
Pesquisadores estão usando alta pressão para incrementar a maciez da carne de animais zebuínos, e assim melhorar ainda mais a qualidade e competitividade do mercado da carne brasileira.
Imagine a pressão exercida pelo peso de dois elefantes sobre a área de uma pequena moeda. Em linhas gerais, essa imagem resume o processo de alta pressão hidrostática, que há mais de dez anos vem sendo estudado por pesquisadores da Embrapa Agroindústria de Alimentos (RJ) para melhorar a qualidade de produtos cárneos, como carnes in natura e presuntos.
A tecnologia tem se mostrado promissora para amaciar e aumentar a vida útil dos produtos, modificando minimamente as características em termos nutricionais e de sabor. Em tempos em que a carne brasileira sofre algumas dificuldades no mercado internacional, a introdução do processo de alta pressão hidrostática em alimentos cárneos pode colaborar para o incremento da qualidade do produto, tornando a indústria de carne mais competitiva no cenário mundial, além de fornecer opções de produtos de qualidade ao mercado interno.
O processo de alta pressão aplicado aos alimentos consiste basicamente em submeter os produtos, previamente acondicionados em embalagens plásticas, a uma alta pressão hidrostática de 100 a 700 megapascal (MPa), isso equivale ao peso de dois elefantes, de 3,5 t cada um, sobre uma moeda de 50 centavos. O equipamento consiste em uma câmara metálica que, após a inserção das embalagens com o produto adequadamente acondicionado, é fechada hermeticamente e preenchida com um líquido, normalmente água. Por um sistema de bombas e intensificadores, a pressão é elevada até o nível desejado em que o produto é mantido pelo tempo determinado. “O nível de pressão é extremamente elevado. Nossa pesquisa está voltada para o estabelecimento de parâmetros e otimização do processo para cada tipo de alimento”, conta Amauri Rosenthal, pesquisador da Embrapa e um dos pioneiros da técnica no Brasil.
Rosenthal e sua equipe vêm avaliando o uso da tecnologia da alta pressão aplicada a sucos e polpas de frutas, queijos, bebidas lácteas, pescados, carnes e derivados, para aumentar a vida de prateleira e promover melhoria na textura e qualidade geral dos alimentos. “A alta pressão hidrostática agrega valor ao produto, pois retém os nutrientes e preserva a qualidade sensorial. É uma tecnologia limpa, de baixo consumo energético, que permite reciclar água, reduzir aditivos químicos e não gerar resíduos ou efluentes”, completa.
De acordo com o pesquisador, a técnica é própria para atender consumidores com elevada exigência de segurança e qualidade dos produtos e sustentabilidade de produção e já é uma realidade em grande expansão em vários mercados internacionais.
Mercado em crescimento
O mercado de alta pressão tem crescido exponencialmente desde que a técnica começou a ser aplicada comercialmente, no início dos anos 1990. Atualmente, existem cerca de 360 unidades industriais de alta pressão no mundo, responsáveis por um mercado de aproximadamente US$12 bilhões em alimentos processados. A perspectiva é de que esse número dobre nos próximos cinco anos.
Especialistas que recentemente participaram de um dos mais importantes eventos sobre processos não térmicos para alimentos, a International Nonthermal Food Processing Conference, realizada em Chicago, nos Estados Unidos, revelaram que a aplicação da alta pressão aos alimentos funcionais e orgânicos tem sido uma nova tendência, assim como no processamento de refeições prontas. Além disso, o setor cárneo já responde por cerca de 25% de utilização da tecnologia, também bastante utilizada em indústrias de sucos e de pescados.
Maciez
No caso da pecuária, segundo o pesquisador Amauri Rosenthal, o processo de alta pressão apresenta-se como uma possível alternativa para incrementar a maciez da carne de animais zebuínos, melhorando a qualidade e competitividade do mercado da carne nacional.
O rebanho bovino brasileiro chegou a 212,3 milhões de cabeças em 2014, um acréscimo de 569 mil animais em relação a 2013, quando possuía produção de carne de 10 milhões de toneladas, mantendo o Brasil como segundo colocado no ranking mundial, atrás apenas da Índia.
Com isso, o país alcançou a posição de maior exportador de carne bovina do mundo, exportando aproximadamente 20% de sua produção, tornando o setor responsável por aproximadamente 8% do produto interno bruto (PIB).
Atualmente, o rebanho brasileiro é formado basicamente por animais zebuínos – cerca de 70% do rebanho nacional – sendo a maioria da raça Nelore, cuja carne é menos macia que a dos bovinos taurinos, porém o pesquisador observa que a carne zebuína vem apresentando qualidade crescente, o que a torna competitiva e promissora no mercado de carnes.
Pesquisa
Estudos com consumidores concluíram que a maciez é um dos atributos mais importantes que caracterizam a qualidade da carne, sendo também um dos principais fatores considerados na exportação dessa categoria de produto para maior agregação de valor.
Apesar de seu benefício potencial, até o momento o tratamento de alta pressão para amaciamento de carne in natura tem sido usado apenas na pesquisa científica, instância em que se mostrou adequado para aumentar a maciez de contrafilé de animais da raça Nelore, por exemplo.
Pelo processo, é aplicado um pulso de pressão para romper fisicamente a estrutura das fibras musculares, e liberar enzimas que auxiliam no amaciamento. A aplicação em carne de outras raças bovinas, suínas e de outros animais também vem sendo investigada pela equipe de pesquisadores da Embrapa e de outras instituições parceiras.
“Quando comparado à maturação convencional para amaciamento, o processo de alta pressão é mais efetivo, propiciando redução na força de cisalhamento e grande diminuição no tempo e energia requeridos para atingir a maciez desejada. Verificamos que os efeitos da alta pressão na maciez de carnes são dependentes da fase de rigor mortis, da pressão aplicada, da temperatura e sua combinação”, explica Otavio Cabral Neto, professor Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Tocantins (IFTO), parceiro na pesquisa.
Aprofundamento
A pesquisadora Caroline Mellinger, do Laboratório de Bioquímica da Embrapa Agroindústria de Alimentos, aprofundou a investigação com análises de perfil proteico para verificar as alterações nas fibras musculares de diferentes tipos e cortes de carnes (bovina, suína e exótica), submetidas à alta pressão.
“Queríamos investigar que tipos de alterações ocorrem nos microfeixes de proteínas que fornecem sustentação e rigidez ao músculo. Verificamos que no ponto ótimo de maciez da carne há maior desagregação das cadeias proteicas”, revela a pesquisadora.
Um dos fatores responsáveis para que isso aconteça, ela explica, é a maior liberação de minerais como o cálcio durante o processo, produzindo ativação da enzima chamada calpaína, indicada como um dos fatores responsáveis pela ruptura dessas microfibrilas proteicas.
Novo projeto recentemente aprovado, abrangendo as Unidades da Embrapa Agroindústria de Alimentos, Pecuária Sudeste e Instrumentação, deverá aprofundar o conhecimento dos efeitos do processo de alta pressão, a partir de análises como microscopia de força microscopia e ressonância magnética nuclear, para maior compreensão dos efeitos do processo sobre a carne bovina de diferentes raças.
Testes
Estudos conduzidos pela pesquisadora Rosires Deliza, do Laboratório de Análise Sensorial e Instrumental da Embrapa Agroindústria de Alimentos, indicam que, além de propiciar a descontaminação e a preservação dos alimentos por mais tempo, esse processo também mantém as características originais desejáveis com alterações nutricionais e sensoriais mínimas.
Cinco marcas comerciais de presunto, uma amostra controle (presunto formulado e processado na Embrapa Agroindústria de Alimentos) e a amostra pressurizada (amostra controle seguida de aplicação de alta pressão) foram utilizadas nesse estudo. Os presuntos comerciais foram comprados em peças inteiras em supermercados da cidade do Rio de Janeiro, com datas de fabricação próximas.
Um total de 70 consumidores participou do teste de aceitação. Eles foram recrutados com base no critério de gostar e consumir presunto. Os participantes foram 30 homens e 40 mulheres entre 19 a 59 anos de idade (média de 33 anos) e a maioria (67%) com nível universitário completo ou pós-graduação.
“O estudo indicou que atributos sensoriais relacionados ao aroma e sabor não foram afetados pela aplicação de alta pressão. Essa tecnologia também se revelou uma promissora alternativa para aumentar a vida de prateleira de presunto processado, ampliando em mais de quatro vezes o prazo de validade usual do produto”, avalia Rosires.
Pesquisa semelhante foi realizada com o presunto de peru, na qual as amostras processadas na Embrapa Agroindústria de Alimentos (controle e pressurizada) e comerciais disponíveis no mercado do Rio de Janeiro foram avaliadas por uma equipe de sete avaliadores selecionados e treinados utilizando a metodologia denominada Análise Descritiva Quantitativa (ADQ).
“Os resultados mostraram que a maioria das características relacionadas ao sabor dos presuntos controle e pressurizado foi semelhante, diferindo em relação à aparência do presunto e cor. Porém, o presunto de peru submetido à alta pressão hidrostática alcançou maiores médias para tais atributos, ou seja, melhor performance sensorial”, avalia a pesquisadora responsável pelo estudo. As mesmas amostras foram avaliadas por 84 consumidores de presunto quanto à aceitação, sendo que não houve diferença entre o produto controle e o pressurizado.
Outro ponto importante refere-se à ação da alta pressão na inativação de bactérias lácticas, os microrganismos que provocam a formação de limo na superfície do presunto e consequente alteração de sabor e aroma. Embora não causem danos à saúde do homem, a maior presença de tais bactérias deprecia o produto e provoca rejeição do consumidor.