Através de reação química mais fria da história, cientistas conseguem observar como moléculas reagem entre si
Com uso de equipamento que permite reduzir a temperatura a níveis inéditos, pesquisadores conseguem, pela primeira vez, observar o exato momento em que duas moléculas se combinam para formar uma terceira
A reação química mais fria do Universo conhecido aconteceu no que parece ser uma bagunça caótica de lasers. Mas a aparência engana: em meio a esse caos minuciosamente organizado, com temperaturas milhões de vezes mais frias que a do espaço interestelar, a cientista Kang-Kuen Ni alcançou um feito de precisão. Forçando duas moléculas ultrafrias a se encontrar e reagir, ela formou e quebrou as ligações mais frias da história dos acoplamentos moleculares.
“Provavelmente seremos o único laboratório que conseguirá fazer isso pelos próximos dois anos”, diz Ming-Guang Hu, pós-doutorando no laboratório de Ni e primeiro autor do artigo publicado na revista Science. Há cinco anos, Ni, professora associada de Química e Biologia Química na Universidade Harvard e pioneira em química ultrafria, decidiu construir um novo aparelho que pudesse obter reações químicas a temperatura menores do que qualquer tecnologia atualmente disponível. Mas, na época, eles não tinham certeza se a intrincada engenharia funcionaria.
Agora, eles não apenas realizaram a reação mais fria da história, como também descobriram que o aparelho pode fazer algo não previsto inicialmente. Quando sob um frio tão intenso — 500 nanokelvin, ou apenas alguns milionésimos de grau acima do zero absoluto —, as moléculas testadas desaceleraram para velocidades tão glaciais que Ni e sua equipe puderam ver algo que ninguém conseguiu antes: o momento em que duas moléculas se encontram para formar duas novas moléculas. Em essência, eles capturaram uma reação química em seu ato mais crítico e elusivo.
As reações químicas estão por trás de literalmente tudo: respirar, cozinhar, digerir, criar energia, além de produtos farmacêuticos e produtos domésticos, como o sabão. Portanto, entender como elas funcionam em nível fundamental pode ajudar pesquisadores a projetar combinações que o mundo nunca viu. Com um número quase infinito de novas combinações possíveis, essas novas moléculas podem ter inúmeras aplicações, desde a produção de energia mais eficiente a novos materiais, como paredes à prova de mofo e peças ainda eficientes para a construção de computadores quânticos.
Em seus trabalhos anteriores, Ni usou temperaturas cada vez mais frias para alcançar essa mágica química: forjar moléculas a partir de átomos que, de outra forma, nunca reagiriam. Resfriados a tais extremos, átomos e moléculas desaceleram para alcançar seu menor estado de energia possível. Nesse estado, Ni consegue manipular interações moleculares com a maior precisão possível. Mas, mesmo assim, ela só conseguia ver o início das reações: duas moléculas começando, mas e depois? O que aconteceu no meio e no final de uma reação era um “buraco negro” que apenas as teorias poderiam tentar explicar.
Reações químicas ocorrem em apenas milionésimos de bilionésimo de um segundo, mais conhecidas no mundo científico como femtossegundos. Mesmo as tecnologias mais sofisticadas de hoje não consegue capturar algo tão rápido, embora algumas cheguem perto. Nos últimos vinte anos, cientistas usaram lasers ultra-rápidos como câmeras para capturar imagens rápidas de reações à medida que ocorrem. Mas eles não conseguem capturar o processo inteiro. “Na maioria das vezes”, diz Ni, “vemos apenas que os reagentes desaparecem e os produtos aparecem, num intervalo de tempo possível de medir. Não havia uma medição direta do que realmente acontece nessas reações químicas”. Até agora.
As temperaturas ultra-frias atingidas por Ni forçam as reações a uma velocidade comparativamente lenta. “Como as moléculas são muito frias”, diz Ni, “temos uma espécie de efeito de gargalo”. Quando ela e sua equipe reagiram duas moléculas de rubídio e potássio — escolhidas por sua flexibilidade —, as temperaturas extremamente baixas forçaram as moléculas a permanecer no estágio intermediário da reação por microssegundos. Os microssegundos — meros milionésimos de segundo — podem parecer curtos, mas são milhões de vezes mais longos que o normal, e dão tempo suficiente para Ni e sua equipe investigarem a fase em que os vínculos se quebram e formam, ou seja, como uma molécula se transforma em outra.
Com essa visão intimista, Ni diz que ela e sua equipe podem testar teorias que prevêem o que acontece no “buraco negro” de uma reação para confirmar se elas estão corretas. Mais tarde, sua equipe pode criar novas teorias, usando dados reais para prever com mais precisão o que acontece durante outras reações químicas, mesmo naquelas que ocorrem no misterioso reino quântico.
A equipe já está explorando o que mais pode ser aprendido usando seu banco de testes ultrafrios. Numa próxima experiência ele poderiam, por exemplo, manipular os reagentes, estimulando-os antes de reagirem para ver como sua energia aumentada afeta o resultado. Ou podem até influenciar a reação à medida que ela ocorre, influenciando uma molécula ou outra. “Com nossa capacidade de exercer controle, e uma janela de tempo longa o suficiente, podemos investigar”, disse Hu. “Agora, com este aparelho, podemos pensar sobre isso. Sem essa técnica, sem este artigo, não poderíamos nem imaginar isso.”
Com informações de Sciam e Universidade de Harvard.