Papel do Brasil na geopolítica dos alimentos é tema de livro lançado pela Embrapa
A agricultura brasileira está sendo desafiada por um mundo com cadeias agroalimentares e ambientes políticos cada vez mais complexos. Compreender as mudanças é estratégico para o posicionamento do País como grande produtor e exportador de alimentos. O livro “Geopolítica do alimento: o Brasil como fonte estratégica de alimento para a humanidade” vem ajudar neste desafio. A publicação da Embrapa tem 40 autores, 322 páginas e está disponível na internet. Seu conjunto de 20 capítulos divididos em quatro seções busca contribuir para melhor compreensão das relações de poder entre países que determinam as regras do jogo e as condições de competição no mercado mundial do agronegócio.
A publicação é um lançamento da Embrapa e do Fórum do Futuro. Ele acontece nesta quarta-feira (27), pela manhã, com a presença da ministra da Agricultura, Tereza Cristina e do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, na sede do IICA – Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura, em Brasília. Será durante o Seminário Alimento e Sociedade que reunirá representantes do agronegócio brasileiro, cientistas, pesquisadores e de organismos internacionais.
Entre os 40 autores, há muitos considerados referências importantes do agronegócio brasileiro, além de especialistas de instituições de pesquisa como a Embrapa, a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), de relevantes instituições no exterior como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), e o Grupo de Países do Cone Sul (GPS), além de universidades públicas como Unicamp, USP, UFRJ, UniRio e UnB.
Destaca-se, ainda, a participação de três ex-ministros na elaboração dos capítulos: Alysson Paulinelli e Roberto Rodrigues (Agricultura) e José Botafogo Gonçalves (Indústria e Comércio) e do ex-presidente e um dos fundadores da Embrapa, o pesquisador Eliseu Alves.
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“O Brasil desenvolveu as capacitações básicas para sustentar o crescimento da agricultura e atender as expectativas de atender, de modo sustentável, parte da demanda futura de alimento. Mas este jogo não é disputado apenas com base nas competências básicas, disponibilidade de terras, tecnologia e know how. Envolve também uma dimensão política, que no final determina as regras do jogo e as condições de competir no mercado mundial. A reflexão proposta é se o país está de fato preparado ou, pelo menos, se preparando para o pesado jogo da política internacional que, cada vez mais, afeta o comércio agrícola internacional e tem na reputação a sua base”, afirma Pedro Abel, pesquisador da Secretaria de Inteligência e Relações Estratégicas da Embrapa (Sire) e um dos editores.
Ao todo, quatro editores técnicos da Sire são os responsáveis pela publicação: Pedro Abel, Elísio Contini, Gilmar Henz e Virgínia Nogueira. Segundo Henz, como o Brasil é um grande produtor e exportador de alimentos, sendo 30% do PIB de exportação composto por produtos agrícolas, percebeu-se a necessidade de se elaborar uma publicação que estudasse essa questão da importância da geopolítica dos alimentos e o papel do Brasil neste contexto.
“Foram selecionados vários temas como questões ligadas ao comércio internacional, regulamentos internacionais, o trabalho, a legislação, o desperdício de alimentos e a comunicação”, detalha Henz. Ele diz que o conteúdo é contemporâneo e que são discutidos os diversos fatores que afetam o mercado mundial de alimentos, como por exemplo, a recente disputa comercial entre China e Estados Unidos, que tem provocado reverberações no mundo todo.
“Países que enriquecem também migram para dietas mais rica em proteínas. A China virou o maior importador global de alimentos, com 250 milhões de pessoas demandando produtos com maior valor protéico. Somente no último mês de outubro a China aumentou em 62% a importação de carne bovina brasileira em relação a setembro, com vários desdobramentos internos para atender esta demanda. Essas mudanças demográficas e dos hábitos alimentares estão contempladas na publicação”, esclarece Henz.
Autores, seções e capítulos
Por que alimentos estão assumindo características de poder entre as nações? Qual o papel agro brasileiro? Para essas e outras indagações o leitor encontrará subsídios nas seções e capítulos organizados na obra. O livro parte do princípio de que onde há populações com fome, a pressão por alimentos é maior. Ásia e África, num futuro próximo, pressionarão países para que tenham garantias de suprimento alimentar.
O aumento da renda também é outro fator impulsionador do aumento pela demanda de alimentos, particularmente na China e na Índia. E o Brasil, por sua disponibilidade de recursos naturais, como água e terra, tecnologias desenvolvidas para a produção nos trópicos e sua capacidade empresarial é um dos poucos países no mundo que tem condições de atender a esse chamado. O livro mostra que são necessárias mais do que competências básicas e tecnologias para ocupar este espaço. É preciso compreender as regras do jogo e as condições de competir no mercado mundial de alimentos. A primeira parte do livro trata justamente dessa discussão: A Geopolítica dos Alimentos.
“Um ambiente favorável à paz entre as nações só é possível mediante a disponibilidade de uma oferta que assegure a entrega de alimentos em volume e qualidade compatíveis com a demanda e, em consequência, oferecidos a preços acessíveis”, escrevem os autores do primeiro capítulo, os ex-ministros Alysson Paulinelli e Roberto Rodrigues.
E dão um conselho: “Não existe jogo com apenas um dos lados do campo. Quem compra também precisa vender. O Mercosul nos ensina que a perspectiva de sucesso econômico passa pelo bom desempenho dos nossos vizinhos. As relações do Brasil com a China, com a Europa, com os Estados Unidos e com o mundo Árabe devem ser tratadas sob o rigor da avaliação acurada da diplomacia profissional e da customização do nosso modelo de produção para cada um desses parceiros. O grau de inserção dos nossos produtos no mercado internacional está umbilicalmente conectado a qualidade do nosso futuro”.
Nessa mesma direção, o capítulo escrito pelo ex-ministro da Indústria e Comércio, José Botafogo Gonçalves, em coautoria com a pesquisadora do Núcleo de Estudos Internacionais Brasil e Argentina (Neiba), Ariane Costa, enfatiza a importância de o Cone Sul ser um interlocutor unificado para dialogar com a China, Estados Unidos e outros, como já ocorre com a União Europeia.
“A equação modernizadora que permitirá que o Brasil volte a colocar os objetivos de crescimento do produto dentro de parâmetros compatíveis com a realidade do século XXI passa por adotar, como instrumentos prioritários de crescimento, o investimento na infraestrutura logística e no prosseguimento da expansão do agronegócio sustentável e, do outro lado, a regionalização das negociações internacionais elegendo o Cone Sul como um interlocutor unificado para dialogar com China, Estados Unidos e outros, tal como já ocorre com a União Europeia. Brasil e Argentina juntos devem capitanear essa estrutura negociadora”, explicam José Botafogo e Ariane Costa.
O livro traz a percepção de diversos autores de que o Brasil deve aproveitar os efeitos da guerra comercial entre países como Estados Unidos e China para ampliar a sua posição nos mercados como o da própria China, México, Canadá e os países árabes. Neste jogo, também é preciso considerar as barreiras tarifárias e não tarifárias que a Europa impõe ao Brasil.
Aproximação entre pesquisa e visão estratégica
Importantes questões para impulsionar o desenvolvimento do agronegócio brasileiro também são discutidas. Entre elas está a aproximação da pesquisa da visão estratégica do Brasil, com a intensificação de tecnologias relacionadas à produção de alimentos em maior volume, de forma mais sustentável, resilientes às mudanças climáticas e que assegurem a inclusão social ao longo da cadeia produtiva.
Destacam-se ainda neste cenário o uso do controle biológico na produção, com menor utilização de defensivos, sistemas mais eficientes e transparentes de rastreamento e certificação dos produtos alimentares, biotecnologia a serviço da inclusão social e otimização do uso dos recursos naturais.
O livro discute também a pobreza rural a partir de uma análise das políticas públicas no Brasil desde 1970. O ex-presidente da Embrapa e pesquisador Eliseu Alves analisa a criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), segundo ele, motivada pela crença na possibilidade de a agência atuar o sentido de incluir milhões de agricultores pobres no processo de modernização da agricultura. Alves atribui essa exclusão como resultante das chamadas “imperfeições de mercado”. No livro, ele destaca, no entanto, que tais imperfeições só poderão ser enfrentadas com investimento em cooperativismo, associativismo e com o forte envolvimento dos prefeitos, lideranças locais e nacionais e não mais com investimentos diretos em extensão rural.
Na visão da editora técnica e autora de um dos capítulos, Virgínia Nogueira, o futuro da agricultura no país depende de diversos fatores interconectados, tais como questões econômicas, políticas ou internacionais, porém, nada disso será suficiente se não houver investimentos pesados na formação e capacitação de nossos cientistas e pesquisadores, desde sua formação básica à capacidade das universidades em se manter abertas e colaborativas neste contexto global. “É a pesquisa e a aquisição de novos conhecimentos que darão suporte ao empreendedor rural que também deverá estar preparado para utilizar cada vez mais tecnologias inovadoras, para empreender de forma disruptiva, competitiva e global”, explica.
“O livro é bem eclético. Procuramos ampliar o máximo possível o seu escopo, com temas diversos, que se relacionam entre si, como os aspectos geopolíticos de regulamentos do comércio internacional, a sustentabilidade ambiental, questões trabalhistas e de mão-de-obra qualificada para responder aos desafios de uma agricultura cada vez mais tecnificada, cadeias de valor, hábitos alimentares do consumidor, desperdício de alimentos e a busca por alimentos saudáveis”, explica o editor técnico e pesquisador da Embrapa, Elísio Contini.
Com informações de Embrapa.