Indústria Têxtil: Banimento de substâncias agressivas por novas regras ambientais globais
Há 10 anos foi lançado o Guia Técnico Ambiental da Indústria Têxtil – Série P+L (Produção Mais Limpa), elaborado pela Câmara Ambiental da Indústria Têxtil, a partir de um plano piloto coordenado pela Cetesb com experiências bem-sucedidas de empresas têxteis em São Paulo. Desde 2009, quando esse projeto foi apresentado, diversas iniciativas vêm sendo promovidas pelas entidades do setor, ao mesmo tempo em que cresce no mundo a pressão por uma produção industrial sustentável, que reduza o impacto ambiental e danos à saúde humana.
Uma das principais ações do setor foi a criação, em 2015, do Grupo de Estudo de Produtos Danosos, coordenado pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), com apoio da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e Confecção (Abit) e da Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim), que se reuniram para criar a primeira norma brasileira sobre produtos químicos tóxicos em artigos têxteis. Constam da lista polifluorcarbonos com oito carbonos (PFOS e PFOAS); aminas aromáticas/corantes azo; alquilfenóis e nonilfenol; corantes dispersos alergênicos; metais pesados (chumbo, cádmio, mercúrio, cromo e níquel); ftalatos, formaldeído, pesticidas, compostos organoestanosos e fenóis (pentaclorofenol e tetraclorofenol). Embora a Lista de Substâncias Restritas, contendo estes dez grupos prioritários, tenha sido criada pela ABNT para balizar o setor, ao contrário das regulamentações, a norma é de caráter voluntário e não visa banir, mas estipular limites para o uso das substâncias nocivas na produção têxtil.
Pressão externa – A exigência para que a indústria abandone o uso de produtos químicos não-conformes com regras ambientais em artigos têxteis e de vestuário vem das grandes cadeias varejistas, marcas e entidades que, por sua vez, se dizem pressionadas pelos consumidores a adotar condutas éticas e socioambientais. O programa internacional “Zero de Descarga de Produtos Químicos Perigosos”, conhecido pela sigla em inglês ZDHC, que reúne marcas como Adidas, Gap, Nike, H&M, entre outras, preconiza que tais substâncias devem ser banidas dos processos industriais até 2020. A lista do ZDHC menciona orto-ftalatos; retardantes a chama bromados e clorados; corantes azóicos; compostos organoestanosos; clorobenzenos; solventes clorados; clorofenóis; parafinas cloradas de cadeia-curta (SCCP); metais pesados; alquilfenóis etoxilados e polifluorcarbonos.
Na Europa, o sistema Reach (Regulamento de Registro, Avaliação, Autorização e Restrição de Substâncias Químicas), que entrou em vigor em 2007, obriga a registrar todas as substâncias e seus potenciais impactos tanto sobre a saúde humana como sobre o ecossistema. O regulamento obriga as empresas (fabricantes e distribuidores) a registrar todas as substâncias químicas comercializadas dentro da União Europeia, demonstrando como elas podem ser usadas com segurança, bem como comunicar medidas de gerenciamento de risco aos usuários (mercado). No Brasil, a ABVTEX (Associação Brasileira do Varejo Têxtil), que reúne as grandes varejistas que atuam no mercado brasileiro, também vem seguindo esta linha, incentivado a cadeia de suprimentos a obter certificações de não-utilização de têxteis contendo produtos tóxicos.
Acordo Mercosul-União Europeia – Diante do anúncio, em julho de 2019, da assinatura do acordo comercial Mercosul-União Europeia, a questão já está sendo debatida pela indústria brasileira de têxteis e vestuário. Embora deva levar no mínimo dois anos para entrar em vigor, o acordo, ainda que comemorado pelos governos como um “marco histórico”, terá caminhos tortuosos a percorrer.
Luiz Wagner de Paula, coordenador do Grupo de Trabalho de Segurança Química, da Comissão de Estudo de Acabamento para Têxteis, pertencente ao Comitê Brasileiro de Têxteis e do Vestuário (ABNT/CB-017), explica que a lista de substâncias restritas foi criada de acordo com o que acontece mundialmente. “Foram elaboradas normas ABNT NBR, que estão sendo disponibilizadas na medida em que são publicadas. Estas normas são voluntárias, portanto, ainda não obrigatórias, mas um novo grupo de substâncias já foi selecionado e neste momento estão em análise no grupo para a elaboração do texto das normas. Após essa etapa, passarão por consulta nacional para depois serem publicadas como Normas ABNT NBR.”
Luiz Wagner diz que, com o acordo firmado entre o Mercosul e a União Europeia, as leis de proteção ambiental serão observadas tanto lá quanto aqui. “As empresas têxteis brasileiras estão aptas a exportar para a Comunidade Europeia, desde que os artigos têxteis e de confecção passem por análises em laboratórios credenciados no Brasil e no exterior. O Comitê de Segurança Química vem trabalhando na análise de substâncias em âmbito mundial, como é feito no mercado europeu, norte-americano, asiático, entre outros”, assegura, enfatizando que não existe uma proibição ao uso dos produtos químicos citados na lista, mas sim, “informação dos níveis aceitáveis e de tolerância destas substâncias, como acontece em outras partes de globo”.
O coordenador informa que a indústria química nacional vem se atualizando sobre o tema, visto que na maioria dos casos, as substâncias químicas são importadas. “Em alguns países, produtores destas bases de química fina, também estão sendo desenvolvidas novas soluções com melhor apelo ecológico”, destaca.
Luiz Wagner lembra ainda que em 6 de fevereiro de 2006, em Dubai, foi adotada a “Abordagem Estratégica Internacional para a Gestão das Substâncias Químicas” (SAICM), uma política internacional de promoção da segurança química mundial, da qual o Brasil é signatário, e cujo objetivo principal é a construção de uma base sólida para o gerenciamento seguro de produtos químicos e resíduos de forma mais ampla do que qualquer outra abordagem. “Desde 2009, a SAICM tem liderado ações voltadas ao projeto Chemicals in Products (CIP), no sentido de melhorar o intercâmbio de informações sobre substâncias químicas contidas em determinadas classes de produtos, entre eles, os têxteis. A Abiquim, como associada do ICCA (International Council of Chemical Associations) e, portanto, integrada às iniciativas do Programa Atuação Responsável e da Estratégia Global de Produto (GPS), continua promovendo o uso seguro na produção de químicos para maximizar seus benefícios para a sociedade e minimizar os efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente”, conclui Luiz Wagner.
Selos ecológicos – Criada na Suíça, em 1992, a Associação Internacional para a Investigação e Ensaios no âmbito da Indústria Têxtil (Oeko-Tex), emite rótulos relacionados ao padrão Oeko-tex 100; entre eles, o Eco Passaport, sistema de teste e certificação de produtos químicos, corantes e auxiliares usados na fabricação de têxteis. Após rigoroso processo de verificação, que analisa se os produtos químicos e cada ingrediente individual atendem a requisitos específicos em relação à sustentabilidade, segurança e conformidade com os regulamentos legais, é emitido o certificado ambiental.
Fundada em 2000, também na Suíça, a Bluesign, por sua vez, defende a fabricação responsável e sustentável de produtos têxteis, por meio de uma visão holística. A consultoria incentiva a indústria a aumentar seus esforços em processos sustentáveis, passo a passo. Seu objetivo é motivar fornecedores, fabricantes e marcas a reduzirem a pegada geral dos têxteis, com foco particular nos produtos químicos usados em todos os processos.
José Clarindo de Macedo, diretor da Sintequímica do Brasil Ltda., empresa que tem como principal atividade dispersar pigmentos e, portanto, muito envolvida com a estamparia têxtil, assegura que todos os pigmentos da linha Sinterdye são produzidos sem usar produtos agressivos à saúde a ao meio ambiente. “Nossas dispersões de pigmentos são aquosas, APEO Free, e estão adequadas às exigências do mercado têxtil com relação ao teor de metais pesados e formaldeído, atendendo, portanto, a programas como ZDHC, Oeko-tex100 e Bluesign”. Diante das expectativas do acordo Mercosul-UE, Macedo diz que o mercado europeu é muito rigoroso e exige que as empesas tenham essas certificações, como, por exemplo, o Eco Passport. “A Sintequímica está planejando obter esse e outros certificados junto aos órgãos credenciadores. O investimento é elevado e a renovação é anual, mas vemos como algo necessário. Esses certificados comprovam que os produtos estão adequados às listas de substâncias tóxicas e nocivas ao meio ambiente e à saúde humana. Atualmente, estamos acompanhando a Abit e a Abiquim com relação à segurança química dos têxteis. A norma NBR 16787 já está disponível na ABNT”.
Beneficiamento de fibra – A demanda por peróxido de hidrogênio tem crescido fortemente nos últimos anos pela evolução da produção de celulose na qual é utilizado no branqueamento das fibras. A Peróxidos do Brasil, joint venture entre a empresa brasileira Produtos Químicos Makay e o grupo belga Solvay, iniciou operações no mercado brasileiro em 1970, com o foco na indústria têxtil para a substituição dos produtos clorados por peróxido de hidrogênio. Com uma produção de 212.000 t/ano de peróxido de hidrogênio e previsão de chegar a 242.000 t/ano até o final deste ano, a empresa destina cerca de 40% produção a países da América do Sul e Central.
O processo de alvejamento com peróxido de hidrogênio é utilizado tanto para algodão e suas mesclas como para outras fibras naturais e sintéticas. Lorenzo Marin Rodriguez, diretor de Mercado Externo e P&D da Peróxidos do Brasil, explica: “Cada tipo de fibra tem suas características e propriedades específicas que devem ser respeitadas no processamento têxtil. É preciso cuidado com temperatura, pressão e pH das soluções de processo, entre outros. O peróxido de hidrogênio não é utilizado apenas no alvejamento, mas também na desengomagem oxidativa, que visa retirar as gomas utilizadas na formação dos tecidos, e também no tratamento de efluentes”.
Segundo ele, o peróxido de hidrogênio é encontrado comercialmente em soluções aquosas de concentrações entre 35% e 70%, mas para o mercado têxtil são utilizadas soluções entre 35% e 50%. O processo de alvejamento pode ser por esgotamento ou contínuo. “A finalidade do alvejamento é obter fibras mais claras que demandarão menor aplicação de corantes no tingimento em cores claras ou, simplesmente, para dar o tom branco ao material. Não há nenhum efeito adverso do peróxido de hidrogênio nas etapas de tingimento e estamparia se o processo for bem realizado e o tecido bem preparado”, enfatiza Rodriguez.
A vantagem de se usar peróxido de hidrogênio em relação a outros auxiliares, como hipoclorito de sódio, é que o alvejamento é mais seguro para a integridade das fibras, pois não causa degradação das mesmas, se comparado a outros produtos que requerem temperaturas mais elevadas de processo. De acordo com Rodriguez, o peróxido de hidrogênio tem a propriedade de se decompor em água e oxigênio, o que o torna um produto ecológico e sustentável. “Ele não gera subprodutos tóxicos como alguns derivados de cloro”, acrescenta.
Na área de especialidades químicas para a indústria têxtil, um dos produtos comercializados pela Solvay no Brasil é o Proban, um retardante a chamas aplicado principalmente na produção de tecidos para uniformes de profissionais que atuam em indústrias como petróleo, siderurgia e outros serviços.
No setor têxtil, a Solvay, que no Brasil também atua com o nome Rhodia, foi pioneira em desenvolver o primeiro fio de poliamida biodegradável do mundo, o Amni Soul Eco. O produto foi criado com uma tecnologia capaz de acelerar a degradação de uma roupa feita com este fio, quando descartado em aterro sanitário controlado, levando três anos para desaparecer, enquanto um fio sintético tradicional demora de sete a oito décadas para se degradar no ambiente.
Química amigável – A indústria têxtil utiliza grandes volumes de água e produtos químicos em seus processos de pré-tratamento, beneficiamento e acabamento e, consequentemente, produz um alto volume de efluentes. Segundo o laboratório Professional Testing & Consulting, com representações no Reino Unido, Canadá e Hong Kong, que presta serviços de teste, consultoria, análise e inspeção para grandes marcas, entre os elementos mais encontrados em produtos acabados ou efluentes têxteis estão os alquilfenóis etoxilados (APEO), com destaque para o conhecido nonilfenol etoxilado. “Os APEO são surfactantes não-iônicos com ação emulsificante e dispersante, que os torna adequados para uma grande variedade de aplicações. Na fase de processamento, cerca de 50% dos APEO são utilizados como emulsionantes para polímeros de emulsão à base de estireno-butadieno, acrilato de estireno, acrilato puro ou sistemas de PVC. Os etoxilatos de alquilfenol e especialmente os etoxilatos de nonilfenol são considerados tóxicos para a vida marinha. Na Europa, esses emulsionantes/surfactantes não são mais permitidos”, diz a nota técnica. Por esta razão, muitos fabricantes e formuladores químicos têm investido na produção de auxiliares APEO free.
O grupo alemão CHT, que há mais de 65 anos oferece produtos químicos, auxiliares e aditivos para vários setores industriais, inclusive o têxtil, tem se dedicado à produção de químicos amigáveis ao meio ambiente. Lawrence Alexander Dougall, diretor geral da CHT no Brasil, cita como exemplo a linha OrganIQ, de produtos verdes para a área de lavanderia de jeans, que substitui químicos agressivos, por exemplo, o permanganato. “Como empresa global, a CHT atua de uma forma única, trazendo soluções que economizam água, energia e recursos. Portanto, os níveis de exigências na Europa e nos EUA são aplicados em todos os mercados onde a empresa está presente. Por exemplo, nós não produzimos auxiliares à base de nonilfenóis etoxilados, devido a sua pouca biodegradabilidade. Hoje, somos parceiros das marcas globais mais sustentáveis”.
Membro da Mesa Redonda Global da Indústria Química (GCIRT), um grupo formado pelos principais fornecedores de soluções químicas em conformidade com o programa ZDHC, a CHT é atuante no sentido de promover a química sustentável. “A CHT apoia a iniciativa da ZDHC desde o seu começo. A empresa também é auditada pela Bluesign no mais alto nível (3) da ZDHC, com 1.604 produtos em conformidade no Gateway, base de consulta e referência da ZDHC para os nossos clientes. Como integrantes do conselho, observamos um aumento significativo na quantidade de clientes que exigem produtos em conformidade ZDHC, o que nos motivou a registrar nossos produtos no Brasil dentro deste padrão. Hoje temos produtos de fabricação local dentro do Gateway ZDHC”.
A questão da sustentabilidade tem sido tão discutida no setor têxtil que foi o tema central, juntamente com a Indústria 4.0, da ITMA 2019, maior feira internacional de máquinas, equipamentos e produtos para a indústria têxtil e de confecção, realizada em Barcelona no mês junho. A CHT participou como expositor, apresentando o processo “4Success”, que utiliza produtos para um processo de tingimento sem branqueio, a baixa temperatura e com um processo muito curto que permite economizar água, energia, tempo e reprocesso. Sendo o Brasil um dos principais mercados da CHT global e diante da repercussão do acordo com a UE, Lawrence Dougall considera que a indústria local deve ser cada vez mais competitiva em direção à produção limpa e livre de substâncias tóxicas. “Já existem normativas no Brasil da ABNT, referentes às restrições de uso de produtos químicos perigosos. Todos os segmentos da cadeia têxtil devem assumir sua responsabilidade para garantir a competitividade tanto dentro da Europa como do Mercosul”, observa.
Brasileira certificada – A Tremembé Química iniciou suas atividades na cidade de Tremembé-SP, em 1991. No ano passado, inaugurou sua nova fábrica em Taubaté-SP, ocupando área de 16 mil m², com quatro laboratórios de análises, incluindo uma planta piloto. Com capacidade instalada hoje de 2 mil t/mês, a empresa, segundo o diretor de Negócios, Mario Galardo, possui mais de 95% de seus produtos em conformidade com as normas ZDHC, Oeko-Tex, Reach entre outros certificados.
Durante alguns anos, a TIQ, como é conhecida no mercado têxtil, atuou em parceria com a multinacional Avebe no segmento de engomagem de fios. Com o fim da parceria, a Tremembé se voltou para a gama de auxiliares químicos que abrange os processos de pré-tratamento e beneficiamento. Mario Galardo comenta: “Com relação à saída do segmento engomagem, a decisão foi tomada porque a operação só é viável quando se tem uma fecularia (fábrica que produz gomas de amido) própria aqui no Brasil. Naquela oportunidade, tínhamos apenas parceria com um fabricante, dessa forma, resolvemos focar no segmento em que realmente temos capacidade e know-how. Por essa razão, hoje oferecemos em nosso portfólio produtos para desengomagem têxtil, todos ambientalmente corretos”.