Decifrar estruturas biológicas em busca de medicamentos
Projeto do CIBFar desvendou a estrutura tridimensional de uma proteína importante para a replicação do vírus Zika
A biologia estrutural reúne princípios da biologia molecular, da bioquímica e da biofísica para estudar a estrutura molecular e a dinâmica de macromoléculas, particularmente proteínas e ácidos nucleicos.
O objetivo é compreender como essas moléculas adquirem sua estrutura e como alterações em sua estrutura afetam o seu funcionamento. Esse conhecimento pode ser empregado, por exemplo, na obtenção de compostos a partir de produtos naturais para uso em medicamentos contra os mais diversos tipos de doenças.
Um dos pioneiros da área no Brasil é Glaucius Oliva, professor titular sênior do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da Universidade de São Paulo (USP). Ele contou na FAPESP Week London, realizada nos dias 11 e 12 de fevereiro na capital londrina, que aprendeu sobre biologia estrutural com Sir Tom Blundell, então professor no Birkbeck College-University of London (e atualmente na University of Cambridge), durante o seu doutorado na instituição inglesa, concluído em 1988.
“A biologia estrutural britânica faz parte da origem da biologia estrutural no Brasil”, disse Oliva à Agência FAPESP. O conhecimento adquirido na colaboração com cientistas britânicos permitiu que Oliva organizasse no Brasil grupos de pesquisa em biologia estrutural, desenvolvendo a área no país. “De 1995 a 2017, o Brasil aumentou em 400% o percentual de publicações na área de biologia estrutural no mundo, sendo responsável atualmente por cerca de 2,5% do total produzido”, disse Oliva.
Trinta anos depois de ter estudado com Blundell – e depois de ter presidido o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), de 2011 a 2015 –, Oliva dirige atualmente o Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos (CIBFar), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPID) da FAPESP.
O CIBFar é uma iniciativa resultante de projetos de pesquisa colaborativos envolvendo o Laboratório de Química Medicinal e Computacional e o Laboratório de Biofísica Molecular do IFSC-USP, o Núcleo de Bioensaios, Biossíntese e Ecofisiologia de Produtos Naturais do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o Laboratório de Síntese Orgânica do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o Laboratório de Produtos Naturais e Síntese Orgânica da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e o Laboratório de Produtos Naturais da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da USP.
“A missão do CIBFar é promover avanços que levem à descoberta eficaz de drogas por meio de ciência básica e aplicada, usando ensaios bioquímicos, biológicos e farmacológicos, assim como métodos avançados em química medicinal, química de produtos naturais, química orgânica sintética e biologia molecular e estrutural”, disse.
Oliva explicou que os pesquisadores do Centro utilizam ciência básica e aplicada e desenvolvem tecnologia para estudar plantas, microrganismos, organismos marinhos, peptídeos e compostos sintéticos em busca de moléculas consideradas de interesse.
“São moléculas que poderão servir de alvos para ensaios de inibição enzimática, fenotípicos ou computacionais”, disse. O objetivo final é permitir o desenvolvimento de medicamentos contra doenças como Chagas, malária, leishmaniose, Zika, câncer e outras.
Na apresentação feita durante a FAPESP Week, na Royal Society, a academia de ciências do Reino Unido, no dia 11 de fevereiro, Oliva deu exemplos de estruturas cristalinas de enzimas obtidas de parasitas tropicais que foram desvendadas por cientistas do CIBFar, como a gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, obtida do Trypanossoma cruzi, protozoário transmissor da doença de Chagas, ou a adenina-fosfororribosil transferase, obtida da Leishmania, parasita causador da leishmaniose. “Mais recentemente temos realizado estudos de biologia estrutural de proteínas do vírus da Zika, incluindo as estruturas cristalográficas da RNA NS5-dependente-RNA-polimerase (RdPd) [enzima encontrada em vírus que catalisa a replicação de RNA], a NS3-helicase [presente no vírus zika, é uma enzima que promove a abertura da hélice de RNA no processo de replicação] e a NS3-protease [uma enzima sintetizada pelo vírus para ativar todas as proteínas vitais].
“Nossos esforços buscam identificar inibidores e desenvolver novos candidatos para antivirais. Além do vírus Zika, temos obtido importantes progressos em estudos estruturais e funcionais de outros arbovírus que circulam no Brasil, como os que causam a febre amarela e a chikungunya”, disse Oliva.
Novas colaborações com o Reino Unido
“A FAPESP Week London é uma oportunidade para interagir com cientistas britânicos que trabalham em áreas similares às nossas e o CIBFar oferece excelentes oportunidades para a colaboração em pesquisa com o Reino Unido. Já temos diversas colaborações do tipo em andamento”, disse Oliva.
O pesquisador citou como exemplo da colaboração com o Reino Unido mantida por pesquisadores do CIBFar o projeto de pesquisa selecionado em janeiro em chamada de proposta lançada pela FAPESP em parceria com o Medical Research Council e o Fundo Newton.
O objetivo da chamada é financiar Centros para Parcerias em Doenças Infecciosas Negligenciadas. Os centros serão um modelo de cooperação para impulsionar parcerias existentes e criar bases para novas colaborações entre pesquisadores do Estado de São Paulo e pesquisadores britânicos.
O projeto mencionado por Oliva pretende investigar produtos naturais em busca de compostos químicos que possam ser usados no desenvolvimento de medicamentos contra a leishmaniose e a doença de Chagas. Além de Oliva, o projeto tem como pesquisadores principais Adriano Andricopulo (USP, coordenador do projeto), Mônica Tallarico Pupo (USP), Vanderlan Bolzani (Unesp) e Paulo Cézar Vieira (UFSCar). Do lado britânico, os pesquisadores principais são Kevin Read, Ian Gilbert e Susan Wyllie, da University of Dundee.
Saiba mais sobre o CIBFar em http://cibfar.ifsc.usp.br.