Caminhos da indústria química brasileira na economia de baixo carbono
*Por Manfredo Rübens
A necessidade de uma economia de baixo carbono é urgente, uma vez que as temperaturas e emissões globais atingem níveis alarmantes. O relatório das Nações Unidas sobre a Lacuna de Emissões ressalta a necessidade de uma redução substancial nas emissões globais, sendo necessário esforço conjunto entre governos, empresas e sociedade civil para alcançar a neutralidade climática até 2050. De acordo com o documento, é imprescindível uma redução de 28% para limitar o aquecimento global a 2°C e de 42% para limitá-lo a 1,5°C. Dessa forma, é fundamental serem implementadas ações efetivas para transformar a economia global.
O governo brasileiro assumiu o compromisso perante o Acordo de Paris de reduzir emissões de gases de efeito estufa em 53% até 2030, em relação aos níveis de 2005, como parte de sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês). O cumprimento dessa meta tem potencial de posicionar o país como líder no tema, estabelecendo-o como referência no desenvolvimento e oferta de produtos e soluções com baixa pegada de carbono.
A crescente preocupação com as consequências indesejáveis decorrentes das mudanças climáticas tem levado a pegada de carbono a ser critério cada vez mais relevante na tomada de decisão de compra no mercado internacional.
A produção de soluções verdes e tecnologias consideradas limpas serão mais valorizadas à medida que possam promover o desenvolvimento socioeconômico sustentável. Isso abre uma janela de oportunidade única para o Brasil e para a indústria química nacional ser protagonista desse movimento. Afinal, o país reúne as condições necessárias para produzir bens com pegadas de carbono muito menores aqueles fabricados por seus pares globais.
O Brasil conta com uma condição ambiental privilegiada para a geração de energia elétrica majoritariamente limpa, com 84% de sua matriz proveniente de fontes renováveis, segundo dados do Ministério de Minas e Energia. Isso representa mais que o dobro da média mundial, de quase 30%, de acordo com a Agência Internacional de Energia (AIE). O país também abriga a maior biodiversidade do mundo e a maior floresta do planeta. Dados do Banco Mundial estimam que a Floresta Amazônica em pé poderia render R$ 1,5 trilhão por ano, valor sete vezes maior do que o lucro obtido com atividades de extração. E mais de 116 mil espécies de animais e 46 mil espécies vegetais já foram identificadas no território, o que implica em possibilidades promissoras de desenvolver uma bioeconomia voltada a novos fármacos, cosméticos e bioquímicos.
Além disso, a própria AIE já projeta que o Brasil será responsável por 40% da oferta de biocombustíveis no mundo até 2028, graças à ampla disponibilidade de matérias-primas renováveis em nossos biomas, como a cana-de-açúcar usada para produzir etanol, e a robusta tecnologia de refinamento, que vem sendo desenvolvida no país desde meados dos anos 1970.
A disponibilidade crescente de outras fontes renováveis, como o biometano, a energia eólica e a solar, por exemplo, abre uma perspectiva positiva de uma evolução da química baseada no hidrogênio verde. Ainda que seja visto principalmente como um vetor energético para viabilizar processos em que a eletrificação não é possível ou eficiente, não se deve esquecer sua importância como insumo químico, utilizado na produção de amônia, ureia e metanol.
Essas vantagens, dificilmente encontradas em outros lugares do planeta, tornam os impactos ambientais de nossos produtos menores. Isto significa que já estamos inseridos na chamada economia de baixo carbono, uma vez que as premissas já existem no território brasileiro.
No entanto, para que essas oportunidades sejam efetivamente convertidas em novos negócios que sejam benéficos ao meio ambiente, é fundamental que a indústria química assuma um papel central nessa agenda. O fortalecimento desse setor é essencial para impulsionar o mercado como um todo, uma vez que a indústria química é a base para diversas outras indústrias. Ao investir em pesquisa e inovação, o setor químico é capaz de gerar benefícios para toda a cadeia produtiva.
Alcançar um alto grau de desenvolvimento exige esforços em conjunto com o poder público, capaz de assegurar condições de competição equânimes em relação aos concorrentes internacionais e de fomentar a evolução das empresas ao nível nacional. A criação do PROVER (Programa de Estímulo à Indústria Química Verde), liderado pelo governo federal, será um valioso ponto de partida para a evolução do setor. Essa iniciativa tem o potencial de destravar mais de 57 bilhões de reais em novos investimentos nos próximos cinco anos, permitindo que a participação do setor químico na composição do PIB, atualmente em 11%, seja ainda maior, com uma perspectiva positiva de um melhor desempenho no comércio exterior. Em média, as exportações de produtos químicos do Brasil representam cerca de 1,2% em relação ao total mundial, enquanto a exportação de cada um dos dez maiores produtores de químicos globais chega em torno de 7% do mercado, conforme dados da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química).
Em razão de sua importância estratégica como produtora de insumos para diversas cadeias produtivas, a indústria química está alinhada com as aspirações de um mercado comprometido com o desenvolvimento sustentável. E o Brasil, com os seus atributos, pode confirmar sua vocação como uma potência verde global. O setor químico brasileiro é o mais sustentável do mundo, segundo estudo encomendado pela Abiquim para a Consultoria Way Carbon, e por isso pode apoiar o país a se tornar referência mundial no modelo de economia de baixo carbono, impulsionando assim o setor industrial do Brasil como um todo.