Líderes de laboratórios e consórcios de pesquisa propõem mudanças em gestão e financiamento
Líderes de grandes instalações de pesquisa e coordenadores brasileiros de consórcios científicos internacionais discutiram na 5ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI) meios de enfrentar problemas em comum, como a oferta descontínua de recursos, que leva à demora na construção de laboratórios e a limitações para seu funcionamento, e dificuldades de manter recursos humanos altamente qualificados trabalhando a longo prazo nessas iniciativas. O debate aconteceu em 1º de agosto, último dia do evento, que foi realizado em Brasília.
“É fundamental encontrar maneiras de diversificar as fontes de financiamento para grandes projetos. O apoio do Estado para ciência básica sempre será crucial, mas é preciso também buscar fontes alternativas”, afirmou o físico Amílcar Queiroz, da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), um dos coordenadores do projeto do radiotelescópio Bingo, que está sendo construído em Aguiar, no sertão da Paraíba, e vai examinar as ondas geradas pela interação entre átomos e radiação eletromagnética no início do Universo. Um dos principais projetos colaborativos entre Brasil e China, o radiotelescópio é patrocinado por órgãos de fomento, como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a FAPESP e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Paraíba (Fapesq).
O físico Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), em Campinas, um dos participantes da mesa, lembrou que os gestores de diferentes tipos de facilities e de consórcios de pesquisa se ressentiram da ausência, nos eventos preparatórios oficiais da 5ª CNCTI, de discussões sobre os dilemas que enfrentam e organizaram em abril passado uma conferência livre para tratar do assunto. Ele dividiu os grandes laboratórios e iniciativas científicas do Brasil em cinco categorias.
Uma delas são as chamadas infraestruturas de base, como o Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), em Petrópolis, e a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), que dão suporte computacional e em tecnologia da informação para toda a comunidade científica. Outra categoria é a de infraestruturas de apoio à pesquisa, a exemplo das coordenadas pelo CNPEM, como o Sirius, laboratório de luz síncrotron de quarta geração que começou a operar em 2020, e os laboratórios nacionais de biociências, de biorrenováveis e de nanotecnologia. Essas unidades franqueiam aos usuários de diversas áreas de pesquisa acesso a equipamentos e técnicas específicas. Há também as infraestruturas temáticas, dedicadas a temas de pesquisa mais circunscritas, como o Observatório de Torre Alta da Amazônia (Atto), estrutura de 325 metros de altura dotada de sensores e radares que coleta dados na Reserva do Uatumã, no Amazonas, ou o Orion, o primeiro laboratório de biossegurança de nível 4 (NB4) da América Latina, que será construído em Campinas e terá como foco o estudo de patógenos.
Uma quarta categoria são os núcleos brasileiros associados a grandes colaborações internacionais de pesquisa, como a Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (Cern), responsável pelo laboratório de física Grande Colisor de Hádrons (LHC), instalado na fronteira entre Suíça e França, e o Giant Magellan Telescope (GMT), que está em construção no Chile e tem financiamento da FAPESP – pesquisadores brasileiros terão direito a 5% do tempo de observação do telescópio. Por fim, há as redes temáticas de pesquisa, como a formada, por exemplo, em torno do Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
“Há uma heterogeneidade muito grande de temas, de objetivos e de arranjos”, observou Roque da Silva. Dadas as características dessas iniciativas, que requerem investimentos vultosos e de longo prazo, frequentemente podem ser usadas por múltiplos usuários e são importantes para produzir ciência competitiva internacionalmente, o físico propôs uma coordenação mais bem articulada do conjunto de iniciativas. Ele mencionou como exemplo inspirador o European Strategy Forum on Research Infrastructures, criado pela Comissão Europeia em 2002. “Trata-se de um fórum que analisa cenários e tendências de pesquisa e, interagindo fortemente com a comunidade científica, aponta projetos e temas prioritários e ajuda a construir o sistema de financiamento”, afirmou.
Segundo o físico, o modelo europeu considera central a existência de grandes laboratórios de pesquisa e uma de suas premissas é que os recursos para infraestrutura não podem competir com as verbas para fazer a pesquisa em si. “Muitas vezes aqui no Brasil, por conta de não ter dinheiro para todo mundo, se diz que o apoio à infraestrutura tira dinheiro da pesquisa. Há uma dificuldade de conseguir financiar os dois, mas não é possível optar entre um e outro. A infraestrutura vai ser usada pela comunidade e é preciso ter uma comunidade forte para tirar proveito dela”, explicou.
De acordo com o diretor do CNPEM, é necessário planejar e organizar como essas infraestruturas vão ser apoiadas ao longo do tempo. “Temos de definir as regras do jogo: quantos bilhões de reais o Estado brasileiro tem para investir, como vai ser a cadência de investimentos, quais são as prioridades e como elas vão ser atacadas ao longo do tempo.” Para Roque da Silva, o Brasil deveria criar uma instância ou uma instituição de governo capaz de coordenar suas infraestruturas de pesquisa e definir quais arranjos institucionais são os mais indicados para o seu cofinanciamento.
Claudia Mendes de Oliveira, pesquisadora do Instituto de Astronomia e Astrofísica da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e cocoordenadora no Brasil do projeto do telescópio GMT, destacou o desafio de manter especialistas qualificados atuando em grandes projetos de longo prazo. “Esses projetos são incríveis para atrair mão de obra qualificada. São fontes inesgotáveis de desafios e isso faz com que sejam interessantes para jovens talentos. Nós atraímos esses jovens e os treinamos com carinho, mas momentos de fragilidade financeira dos projetos podem ser devastadores em termos de perda de material humano. Quando se consegue recuperar o financiamento, aquelas pessoas não estão mais disponíveis para retomá-lo”, explicou. Ela fez recomendações, como dar mais flexibilidade para contratação de recursos humanos de grandes projetos. No caso do GMT, explicou, um meio de resolver o financiamento de pesquisadores e engenheiros foi formar uma fundação sem fins lucrativos que pudesse pagá-los como pessoa jurídica. Também sugeriu que grandes projetos possam oferecer contratos e bolsas de longa duração e buscar múltiplas parcerias e fontes de financiamento, a fim de não perder talentos por falta de horizonte de longo prazo.
Também participaram da mesa-redonda o engenheiro Julio Leite, gerente-geral da área de gestão de inovação e tecnologia da Petrobras, o engenheiro de computação Nelson Simões, diretor-geral da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), e o matemático Fabio Borges, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC).
Balanço
Uma cerimônia na noite do dia 1º de agosto encerrou a 5ª CNCTI. Durante três dias, cerca de 5,3 mil pessoas inscritas participaram de 54 mesas-redondas e sete sessões plenárias sobre temas relacionados à ciência, tecnologia e inovação. Os debates, realizados no Centro de Eventos e Convenções Brasil 21, em Brasília, serviram para preencher lacunas de um conjunto extenso de propostas que haviam sido levantadas em eventos preparatórios, entre conferências estaduais, temáticas e livres organizadas entre dezembro de 2023 e maio de 2024. Centenas de sugestões foram apresentadas por participantes da conferência, com destaque para temas como ciência aberta, financiamento e popularização da ciência. Até novembro, uma comissão vai compilar as propostas e apresentar ao governo federal um conjunto de recomendações a fim de subsidiar a formulação de um plano nacional de ciência, tecnologia e inovação para os próximos dez anos.
Mais informações em: 5cncti.org.br/.
Matéria – Fabrício Marques, de Brasília | Revista Pesquisa FAPESP
Imagem – Para Antonio José Roque da Silva, diretor-geral do CNPEM, é necessário planejar e organizar como essas infraestruturas vão ser apoiadas ao longo do tempo (foto: Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP)