Mutações do influenza serão monitoradas no esgoto de SP visando vacina mais eficaz
O Institut Pasteur de São Paulo (IPSP), sediado na Universidade de São Paulo (USP), acaba de criar um grupo de pesquisas para monitorar o surgimento e o avanço de novas cepas do vírus da influenza na capital paulista. Com coletas periódicas de amostras de esgoto, será possível identificar quais entraram em circulação, quais podem trazer risco à saúde humana e animal, além de prever o início e o pico de sua transmissão, e a dinâmica de circulação no ambiente urbano. As informações, além de serem repassadas às autoridades de saúde pública, ajudarão no desenvolvimento de uma vacina mais eficaz e rápida contra a gripe.
Atualmente, os imunizantes distribuídos pelo Ministério da Saúde protegem contra os três tipos de cepas do vírus influenza que mais circularam nos hemisférios Norte e Sul. O problema é que nem sempre os vírus em circulação são os mesmos com que a vacina foi feita. Além de serem diversos, o influenza muta rapidamente. Assim, estima-se que a eficácia da vacina em uma campanha varie de 40 a 60%, devido à adequação da vacina às cepas em circulação, assim como pelas especificidades de cada uma.
“Este problema pode ser diminuído com a nova forma de vigilância e uma tecnologia que possibilite atualizar a vacina com mais rapidez, que é o objetivo do nosso grupo de pesquisa”, afirma o virologista e biomédico imunologista, Rúbens Alves, coordenador do grupo de pesquisa Vigilância Genômica e Inovação em Vacinas, que passou a atuar desde 1º de julho.
Segundo ele, a proposta de se fazer a vigilância por meio de amostras de águas residuais do saneamento básico é uma estratégia que se mostrou muito eficaz na pandemia da covid-19, e que foi utilizada por mais de 100 países e 293 universidades. “Agora, estaremos na vanguarda da implementação dessa tecnologia para a influenza. No caso do coronavírus, foi possível observar os picos de transmissão em determinada região com duas semanas de antecedência – uma informação que foi muito útil para a tomada de decisões na saúde pública”, afirma Alves.
Atualmente, a vigilância dos vírus da gripe é feita pela Rede Global de Vigilância de influenza da Organização Mundial da Saúde (OMS), composta por laboratórios espalhados pelo mundo. Eles são responsáveis por monitorar os vírus circulantes e potencialmente pandêmicos, com base em análises laboratoriais. A partir disso, todos os anos, OMS divulga com seis a oito meses de antecedência quais são as cepas que devem ser usadas na produção das vacinas para o hemisfério sul, para uso no ano seguinte.
“Boa parte dos monitoramentos inseridos nessa rede depende da testagem de casos suspeitos da doença. O monitoramento por esgoto permite uma cobertura mais representativa da população, pois inclui pessoas que não têm acesso a cuidados de saúde ou que optam por não ir ao hospital, o que o faz também ser menos caro, pois depende de menos exames clínicos. Além disso, é um sistema que permite um monitoramento contínuo, não apenas na sazonalidade de maior circulação do vírus, isso ajuda na avaliação de tendências a longo prazo e em um rastreamento em tempo real. Sem contar que pelo esgoto é possível monitorar não só o influenza como outros patógenos”.
Vacina inovadora
Os vírus da influenza são divididos em quatro tipos: A, B, C e D, sendo que os subtipos são classificados conforme as diferentes combinações das proteínas hemaglutinina (HA ou H) e neuraminidase (NA ou N). Existem várias variantes de HA e NA, e os tipos que impactam a saúde humana são os A e B.
Hoje a maioria das vacinas é feita por duas principais tecnologias: o vírus inativado e o vírus vivo atenuado. A primeira consiste em vírus inativados quimicamente de uma forma que eles não possam causar qualquer infecção; já a segunda utiliza vírus que foram geneticamente modificados para não causarem a doença.
No projeto do IPSP, a proposta é criar uma plataforma de vacina, baseada em RNA auto-replicativo. Essa tecnologia imita um mecanismo existente em alguns vírus, como o chikungunya e outros alfavírus, no qual a sequência codificadora da proteína vacinal alvo introduzida é replicada múltiplas vezes por mecanismos inseridos no próprio RNA da vacina. “A vantagem dela é o fato de necessitar de uma menor quantidade de RNA e de criar respostas imunológicas mais prolongadas, o que resulta em um aumento da eficácia do imunizante e redução dos efeitos colaterais. Há também um aumento da velocidade em que a vacina é produzida — o principal obstáculo das vacinas comuns contra a gripe, já que muitas dependem da reprodução de ovos dos vetores dos vírus”, explica Alves.
“Essa é uma plataforma que aprendi a dominar e fui responsável por implementar durante meus quatro anos de pós-doutorado, concluído em junho de 2024, no La Jolla Institute for Immunology, em San Diego (EUA). Lá, desenvolvi novas vacinas contra a covid-19, dengue, zika, entre outros flavivírus, utilizando essa tecnologia”, conta.
Spillover do vírus
A maioria das pandemias no mundo foi causada por vírus de influenza. Estima-se que esses vírus já causaram 50 milhões de mortes em toda a história. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta em cerca de um bilhão de casos de influenza por ano no mundo, com um número de óbitos entre 290 mil e 650 mil.
De acordo com Alves, a maior preocupação é com os subtipos potencialmente pandêmicos. “Hoje é com a gripe aviária, do tipo A, subtipo H5N1. Nos Estados Unidos está ocorrendo um surto da doença em rebanhos de gado e já foram identificados os primeiros casos em humanos, assim como a circulação do vírus nos esgotos. Ou seja, o vírus está fazendo spillover, contaminando outras espécies além das aves. Mas fazendo uma vigilância eficiente e desenvolvendo imunizantes mais eficazes, podemos evitar que ele se torne pandêmico.”
O projeto no IPSP tem previsão de durar de quatro a cinco anos. O financiamento é feito pelo Institut Pasteur de Paris e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
*Da Assessoria de Comunicação do Instituto Pasteur de São Paulo
Mais informações: e-mail angela@academica.jor.br
Matéria – Jornal USP, Texto: Redação*
Arte: Olívia Rueda**