Combinação de nano e biotecnologia traz avanços para o controle biológico na agricultura
Com o objetivo de diminuir o uso de antibióticos na agricultura, um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) trabalha em uma estratégia de controle biológico contra uma bactéria gram-positiva denominada Bacillus cereus, que pode causar intoxicação alimentar e está muito presente em vegetais de folhas verdes e na indústria de laticínios.
Resultados do projeto, apoiado pela FAPESP, foram publicados na revista científica Biocatalysis and Agricultural Biotechnology.
De acordo com Fernanda Coelho, pós-doutoranda no Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP) e primeira autora do artigo, o trabalho se baseia em um conceito conhecido como terapia fágica, isto é, no uso de vírus capazes de infectar bactérias (conhecidos como bacteriófagos ou apenas fagos) para tratar infecções em seres humanos, animais ou plantas.
Esses fagos produzem a endolisina, uma enzima capaz de reconhecer e romper a parede celular das bactérias. No estudo, foi usada uma endolisina específica, produzida por meio de biotecnologia, associada a nanopartículas de prata, que também possuem efeito antimicrobiano. Esse sistema mostrou atividade contra cepas de Bacillus cereus, algo que foi verificado tanto por meio de ensaios in vitro como em imagens de microscopia eletrônica de transmissão e de varredura.
A pesquisa de Coelho é supervisionada por Valtencir Zucolotto, coordenador do Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia do IFSC.
Entendendo o conceito
As endolisinas de fago têm uma estrutura modular composta de domínios enzimaticamente ativos (EADs) e de um domínio de ligação à parede celular (CWBD). O CWBD reconhece e leva a endolisina às moléculas de ligante associadas à parede celular específica com alta especificidade, enquanto os EADs fornecem a atividade enzimática real, que cliva a estrutura do peptidoglicano, um polímero da parede celular de bactérias que proporciona rigidez e forma às células.
“Ao trabalhar com endolisinas, desenvolvemos um sistema altamente direcionado para combater uma bactéria específica. Neste estudo, a associação com nanopartículas de prata amplifica a eficácia do complexo. Dessa forma, conseguimos propor um sistema de controle biológico que representa uma alternativa viável, eficiente e ambientalmente mais apropriada que os antibióticos atualmente utilizados. Essa abordagem é de particular importância para promover uma agricultura sustentável”, ressalta a pesquisadora.
A terapia fágica já é muito empregada nos Estados Unidos e na Europa, tanto na área da saúde como na agricultura. Segundo a pós-doutoranda, existem vários estudos que comprovam que há vírus altamente seletivos para bactérias específicas, justamente por causa dessa proteína chamada endolisina. “O vírus usa essa enzima para entrar na bactéria, tornando lisa a parede celular bacteriana e causando sua morte”, conta Coelho.
De acordo com a pesquisadora, o projeto consistiu na expressão de uma proteína recombinante em sistemas bacterianos que depois foram purificados. “Em paralelo, já estava trabalhando com a síntese de nanopartículas de prata. Após a obtenção da proteína purificada, ela foi combinada com nanopartículas de prata, criando um composto bioativo. Análises de microscopia comprovaram que o composto produzido foi eficiente para causar o rompimento da parede celular, causando a eliminação do Bacillus cereus”, comenta.
Com o pedido de patente já encaminhado, Coelho e sua equipe acreditam que esse é um sistema que pode ser utilizado na agricultura, por meio de um processo de pulverização em hortaliças, ou adicionado em amostras de leite durante o processo de pasteurização, com o intuito de reduzir a contaminação pela B. cereus.
“O trabalho mostra a importância dessa área de interface entre a nanotecnologia e biotecnologia, que já traz e certamente trará ainda mais avanços importantíssimos para as áreas médicas e do agronegócio”, destaca Zucolotto.
O artigo Exploring the agricultural potential of AgNPs/PlyB221 endolysin bioconjugates as enhanced biocontrol agents pode ser lido em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S1878818124000239.
* Com informações do IFSC.
Matéria – Agência FAPESP
Imagem – Bactérias da espécie Bacillus cereus observadas em microscópio (imagem: ILVO/IFSC-USP)