O que esse calor descomunal tem a ver com o setor elétrico?
Segundo a Copernicus Climate Change Services (C3S), 2023 foi o ano mais quente de um histórico que data de 18501. Nos últimos 12 meses, a temperatura média global ficou, pela primeira vez, 1.5 °C acima dos níveis pré-industriais.
Ao mesmo tempo, sofremos com eventos devastadores, como a tempestade Daniel que matou 4,3 mil pessoas na Líbia e a seca brutal na Amazônia. De acordo com a World Weather Attribution, estes e outros episódios inéditos foram alimentados pelo aquecimento, cada vez maior, do planeta2.
Os causadores do efeito estufa
O principal responsável pelo aquecimento generalizado é a crescente concentração de gás de carbônico (CO2) na atmosfera, resultante da queima de combustíveis fósseis, que ajuda a reter o calor irradiado pela superfície da Terra, produzindo o chamado efeito estufa.
Hoje, sua concentração é 50% maior do que durante a Revolução Industrial, sendo que, ao longo dos 6 mil anos anteriores, seus níveis se mantiveram constantes3. Há um excelente vídeo4 da física Sabine Hossenfelder explicando de forma didática como os cientistas sabem que nós, humanos, somos os culpados por esse aumento.
Geração de eletricidade e aquecimento representam cerca de 45% das emissões globais5 de CO2 e, por isso, há um esforço mundial para que uma transição energética seja feita o mais rápido possível, substituindo as fontes fósseis pelas renováveis.
Mas o papel do setor elétrico vai além. Possivelmente, ele será a saída para a descarbonização de outros setores, como transportes e indústria pesada, por meio dos veículos elétricos e do hidrogênio verde6.
No entanto, os desafios são maiores que a substituição de fontes. Como não há forma de estocar eletricidade em escala a um custo acessível, cada quilowatt-hora consumido tem de ser instantaneamente gerado por alguma usina e transportado pelas redes de transmissão e distribuição até nossas casas.
Consumo versus geração de energia
E mais: produção e consumo tem de estar, sempre, em equilíbrio, sob risco de o sistema colapsar! Os responsáveis pela gestão deste balanço são os operadores dos sistemas elétricos – o ONS, no caso do Brasil – que atuam como maestros de uma orquestra, coordenando os instrumentos (usinas) para que as notas estejam em harmonia (ou seja, para que a geração siga o consumo).
Esse trabalho era, até recentemente, menos difícil, já que a produção das usinas podia ser controlada pelo operador. Só que a expansão das renováveis introduziu uma nova complexidade, devido à intermitência da disponibilidade do combustível que usam.
Eólicas e solares só produzem quando o vento sopra e o sol brilha. Agora, portanto, além da incerteza na demanda, os operadores têm de gerir a incerteza da oferta.
Isso tem provocado a rediscussão de fundamentos do setor; desde a necessidade de adaptar a infraestrutura existente ao redesenho dos mercados. Felizmente, o Brasil está bem-posicionado: nossa matriz é limpa e flexível; nosso sistema de transmissão, robusto; e temos vasta experiência no planejamento e operação de sistemas renováveis, ao ponto de exportarmos conhecimento para países como os Estados Unidos7.
Então não temos desafios? Pelo contrário. Os efeitos das mudanças climáticas são realidade e precisamos nos preparar. Mas temos instituições sólidas e tecnicamente bem-preparadas. Tudo que precisamos é de união e foco nos problemas que importam. Como diz o ditado: torça pelo melhor, mas prepare-se para o pior.
[3] https://www.noaa.gov/news-release/carbon-dioxide-now-more-than-50-higher-than-pre-industrial-levels
[4] https://www.youtube.com/watch?v=J1KGnCj_cfM
[5] https://ourworldindata.org/grapher/ghg-emissions-by-sector?time=latest
[6] https://www.ft.com/content/8bf86419-e749-46d1-9cd9-5a72bc306fdc?shareType=nongift
Matéria – Exame, Edmundo Grune