Por que a Angola está interessada na genética das aves brasileiras?
A discussão sobre segurança alimentar tem se mostrado intrínseca à agropecuária e à disponibilidade de alimentos nos países. Não por acaso, o Brasil é tido como referência para atender ao mercado global, incluindo o continente africano. Só que, desta vez, diferentemente da exportação de grãos, frutas ou proteína animal, o país exportou de, forma inédita, a genética desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
Após receber cerca de 4.000 pintos na semana passada, o país africano pretende criar seu primeiro banco genético de aves. Esta é uma estratégia para tornar a produção nacional mais forte e o preço do alimento mais acessível, já que o país passa por um momento de poder de compra da população reduzido.
O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) prevê que, em 2024, as importações de frango diminuirão, por causa da desvalorização da moeda angolana, chamada de kwanza. Para se ter uma ideia, o kwanza perdeu cerca de um terço do seu valor entre maio e junho de 2023. A paridade era de 510 kwanzas para um dólar e atualmente está em 800 kwanzas/dólar.
Consequentemente, o consumo também deve cair ligeiramente em 2024, de acordo com o órgão americano. “O consumo cairá para 262 mil toneladas em 2024, abaixo das 268 mil toneladas em 2023. A carne de frango importada é uma das proteínas animais mais acessíveis e amplamente consumidas em Angola”, aponta o USDA em documento.
Por isso, a estratégia do governo angolano é internalizar a produção o máximo possível e montar o próprio banco genético de aves faz parte disso.
Genética de milhões
As linhagens de galinha poedeira Embrapa 031 e de frango de corte tipo industrial Embrapa 021 foram enviadas a Angola, por meio da empresa West Aves, que possui cooperação técnica com a Embrapa desde 2022.
A ave poedeira visa a produção intensiva de ovos de casca marrom, enquanto o frango de corte possui genética voltada à conversão alimentar e maior ganho de peso do animal.
Em entrevista à imprensa angolana, Adilson Mognol, presidente da West Aves, afirmou que o material genético foi avaliado em dois milhões de reais.
“Esse projeto pretende gerar mais de 4.000 empregos diretos. E ainda há os indiretos, pois esses investimentos geram grandes cadeias desde onde se vai produzir o frango, ovo, matriz, combustível, carregadores das aves ou ração, oficina mecânica, entre outros”, disse Mognol à agência de notícias Angop.
O comércio internacional entre Brasil e Angola contribui para a previsão do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) de que a produção de frangos no país africano aumente 8% em 2024,
A Angola vive desafios de expansão da avicultura, incluindo a falta de produção de ração animal, medicina veterinária e infraestrutura, bem como a proibição de produtos agrícolas geneticamente modificados (GM). Ainda assim, o governo angolano está tentando ampliar o investimento na produção nacional, à medida que procura diversificar a economia e tornar o alimento mais acessível à população.
Marco histórico
De acordo com a Embrapa, a comercialização é considerada um marco histórico, pois antes as genéticas exportadas pertenciam a empresas estrangeiras. O pesquisador Everton Krabbe, chefe geral da Embrapa Suínos e Aves, destaca a relevância dessa parceria com a West Aves para a entrega de um produto nacional ao consumidor mundial.
“É um trabalho de pesquisa de muitos anos que vai chegar ao mercado, de elevado potencial produtivo, qualidade do produto final e, principalmente, com biosseguridade”, afirmou.
Além da exportação da genética, a Embrapa fornece também uma cartilha sobre o manejo adequado aos aviários. Isso porque, para muitos criadores angolanos, as técnicas podem ser uma novidade. Por exemplo, o local de criação deve ser mantido em temperatura ambiente de 32º C para os pintos e a umidade relativa do ar deve estar entre 50% e 60% durante o alojamento.
As exportações brasileiras de genética avícola, incluindo pintos de um dia e ovos férteis, chegaram a 26,4 mil toneladas embarcadas em 2023, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). O número é recorde e supera em 69,3% o total exportado no ano anterior.
Matéria – Exame, Da Redação
Imagem – Frangos: carga brasileira tinha traços de coronavírus, segundo autoridades da China (Rodolfo Buhrer/Reuters)