Componente da própolis verde tem maior potencial contra bactéria da cárie
Um estudo identificou substância da própolis verde com alto poder contra a Streptococcus mutans, bactéria causadora da cárie. Chamado plicatina-B, o componente da própolis brasileira se mostrou “pelo menos quatro vezes mais efetivo que o artepillin-C, o composto mais estudado até hoje”, comemora a pesquisadora Tatiana Vieira, do Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP.
A descoberta está descrita na tese Avaliação das atividades antibacteriana e antiparasitária de análogos prenilados do artepillin-C e estudo de suas reações de fragmentação em fase gasosa por espectrometria de massas sequencial apresentada por ela à FFCLRP para obtenção do título de doutora. Na pesquisa, foram analisados e comparados componentes da própolis análogos ao artepillin-C em testes in vitro (laboratório) contra bactérias causadoras de esquistossomose e leishmaniose, além da cárie.
Como resultado, a pesquisa verificou que, apesar dos componentes da própolis não apresentarem tanta efetividade contra esquistossomose e leishmaniose, mostram muito potencial para aplicação odontológica, com destaque para dois compostos, o plicatina-B e o tetraidroplicatina-B. Mas o que chamou a atenção, avalia a pesquisadora, foi a eficácia do plicatina-B sobre as bactérias da cárie. Segundo ela, há poucos estudos que reportam a ocorrência do plicatina-B em amostras de própolis, ao contrário do artepillin-C, que é o mais pesquisado. Assim, ter encontrado no plicatina-B efetividade quatro vezes maior que a do artepillin-C “contra Streptococcus mutans foi um resultado bastante interessante”, afirma.
Encontrar uma substância capaz de combater a bactéria que causa a cárie dentária é uma boa notícia frente ao problema de saúde pública mundial que a doença representa. São cerca de 3,5 bilhões de pessoas sofrendo com doenças bucais em todo o mundo, a maior parte pela cárie, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). No Brasil, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou que, em 2019, 34 milhões de adultos haviam perdido 13 dentes ou mais.
Mas a utilização desses compostos em tratamentos odontológicos ainda depende de outros estudos, como os de citotoxicidade, que avaliam sua relação com as células humanas, por exemplo, as da boca. Tatiana Vieira acredita que, dependendo desses resultados, os componentes da própolis estudados têm potencial para serem incorporados a enxaguantes bucais, por exemplo, “a um preço mais acessível, visto que a síntese dos compostos mais ativos, no caso o plicatina-B, é barata e rápida”, informa.
O grupo de pesquisa em que Tatiana Vieira atua na USP vem trabalhando para otimizar processos de isolamento de substâncias como o plicatina-B e também de técnicas simples, rápidas, baratas e eficientes de sintetização desses compostos com atividades antibacterianas. O alecrim-do-campo, principal fonte da matéria-prima da própolis, é uma exclusividade brasileira, podendo viabilizar economicamente a aplicação, em outros produtos, dos compostos descobertos.
Testes revelam que o composto plicatina-B tem ação anticariogênica mais efetiva que a substância mais estudada, o artepillin-C – Imagem: Cedida pela pesquisadora
Potencial antibacteriano precisa ser melhor compreendido
A eficácia de compostos da própolis contra bactérias e fungos é alvo de estudos há décadas. Sabe-se que o artepillin-C possui atividade antibacteriana superior a outros componentes da própolis verde. Tatiana conta que, há 20 anos, um estudo comparou o artepillin-C com o drupanina (também encontrado na própolis) e sugeriu que a melhor performance do artepillin-C se devia à quantidade de grupos prenilados na estrutura dessas substâncias. O artepillin-C tem dois desses grupos, enquanto o drupanina tem apenas um. Assim, os estudos de Tatiana se concentraram em verificar o potencial antibacteriano de outros compostos da própolis verde com grupos prelinas diferentes.
A pesquisadora informa que um grupo prenila é uma molécula pequena, hidrofóbica (não se mistura com a água), importante para muitos compostos biológicos e que desempenha uma variedade de funções celulares. Informa também que a atividade antibacteriana de um composto pode estar associada à sua permeação através da membrana plasmática da bactéria, ou seja, o revestimento das células. A lipofilicidade (facilidade para dissolver em óleos e gorduras) dos grupos prenilados poderia ser a vantagem do artepillin-C, mas os resultados do estudo de Tatiana não confirmaram essa tese, já que o plicatina-B com apenas um grupo prenila teve desempenho superior ao artepillin-C. O que faz a pesquisadora afirmar que “há outros fatores estruturais envolvidos e que precisam ainda ser melhor compreendidos”.
Para identificar o potencial dos compostos, a equipe da FFCLRP contou com a colaboração do professor Carlos Henrique Gomes Martins, do Instituto de Biociências da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A pesquisa faz parte do doutorado de Tatiana, que trabalhou sob orientação do professor Antônio Eduardo Miller Crotti, com defesa realizada em setembro deste ano.
Mais informações: e-mail tati.manzini@gmail.com, com Tatiana Vieira
*Estagiário sob supervisão de Rita Stella
**Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado
Matéria – Jornal USP, Texto: Felipe Faustino*
Arte: Joyce Tenório**
Imagem – Abelha operária (Apis mellifera) coletando resina de alecrim-do-campo (Baccharis dracunculifolia) que, ao entrar em contato com enzimas de sua saliva, torna-se própolis verde – Foto: Michel Stórquio Belmiro/Wikimedia Commons