Pesquisadores desenvolvem semicondutores que potencializam a produção de energia limpa
Desenvolver semicondutores capazes de potencializar a produção de energia limpa. Este é o principal objetivo do projeto Engenharia de banda de semicondutores em dupla configuração e sua utilização para produção de hidrogênio verde e conversão de CO2 em produtos químicos de elevado valor, realizado no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), constituído pela Shell e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e sediado na USP. O projeto atua em duas frentes. Uma delas está focada na produção de hidrogênio verde por meio da fotólise da água, processo que divide a molécula de água usando luz como única fonte de energia.
“Hoje cerca de 95% do hidrogênio usado no mundo vêm de fonte fóssil”, explica o coordenador do projeto, Renato Vitalino Gonçalves, professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP. “Ao lançar mão da água, nossa ideia é zerar a pegada de carbono desse hidrogênio, que pode ser usado não apenas para abastecer veículos com motor do tipo célula a combustível, mas também na fabricação de plásticos, por exemplo.”
Recentemente os pesquisadores do projeto publicaram um trabalho no periódico ACS Applied Energy Materials, da American Chemical Society (ACS), dos Estados Unidos. O artigo é um desdobramento da pesquisa de doutorado do físico Higor Andrade Centurion, orientado por Gonçalves. No estudo, os pesquisadores relatam ter conseguido aumentar em cerca de 30 vezes a produção de hidrogênio por meio da fotólise da água. Para chegar a esse resultado, a equipe primeiro inseriu um dopante, o molibdênio (Mo), na estrutura do semicondutor, no caso de titanato de estrôncio dopado com íons de molibdênio (SrTiO3). “Isso turbinou o semicondutor”, constata Gonçalves.
De acordo com o pesquisador, nas reações em geral, o semicondutor é um fotocatalisador. Ou seja, ao absorver luz, o material gera as cargas elétricas (elétrons e buracos) necessárias às reações de oxidação e redução que, no caso, provocaram a dissociação das moléculas de água (H2O) em hidrogênio (H2) e oxigênio (O2). “Em geral, os semicondutores de óxidos metálicos absorvem apenas os raios ultravioleta, que correspondem a cerca de 4% do espectro solar”, observa o professor do IFSC. “Com o dopante, o material também foi capaz de absorver luz da região do visível, que representa cerca de 43% do espectro solar. O aumento de luz potencializa a reação.”
Na sequência, os pesquisadores depositaram nanopartículas ultrapequenas de óxido de níquel sobre a superfície das partículas do titanato de estrôncio com íons de molibdênio, obtendo com isso dois semicondutores, um com o titanato e outro com óxido e hidróxido de níquel, para os quais foram direcionadas as cargas de buracos fotogerados e elétrons, respectivamente. “Ao conseguir separar as cargas, reduzimos drasticamente a rápida recombinação de elétrons e buracos, que é recorrente em reações que utilizam semicondutores”, diz Gonçalves.
Estabilidade
Outro ganho, segundo o pesquisador, foi aumentar a estabilidade da reação. “Em geral, alguns materiais semicondutores são capazes de ter uma elevada reatividade, que, entretanto, decai de forma significativa em poucas horas”, comemora. “Em nossa pesquisa, conseguimos manter uma estabilidade por longos períodos, chegando até a 100 horas de duração.”
O pesquisador do IFSC lembra ainda que foi possível produzir as partículas do semicondutor em escala maior do que a usual. “Em geral, o material do semicondutor é sintetizado por meio de reações hidrotermais e rende partículas em miligramas. Mas no estudo utilizamos uma técnica conhecida como molten salt (“sal fundido”), que permitiu que produzíssemos partículas em uma escala maior, acima do grama”, relata. “Isso sinaliza a possibilidade de podermos aumentar a escala dessa produção futuramente e expandi-la para quilogramas, por exemplo.”
O mesmo semicondutor foi testado em água com 20% de metanol. “O metanol potencializou a produção de hidrogênio, pois se oxida mais rapidamente do que a água, e ainda gerou subprodutos, como ácido acético e ácido fórmico. Isso abriu outra possibilidade de pesquisa dentro de nosso projeto e vamos investigar as reações com metanol no lugar de água”, constata Gonçalves. A experiência relatada no artigo não é caso isolado. “Estamos pesquisando outros materiais nanoestruturados fotoativos sob luz visível que podem ser utilizados como semicondutores, como é o caso da pseudobrookita (Fe2TiO5), um óxido raro, típico de rochas magmáticas ricas em titânio (Ti).”
Outro foco do projeto é desenvolver semicondutores para converter CO2 em outros produtos de interesse da indústria. “As usinas de cana-de-açúcar emitem grande quantidade de CO2: cada mol de etanol produzido gera um mol de CO2. Com essa tecnologia que estamos desenvolvendo, seria possível converter o CO2 em outros produtos de valor agregado para a área de combustíveis, como etanol, metanol ou mesmo metano, que pode ser utilizado, por exemplo, em veículos a gás natural”, diz Gonçalves. Aqui a luz solar também tem papel fundamental. “Quanto maior a absorção de luz, maior é a eficiência dos semicondutores na hora de converter tanto moléculas de CO2 quanto de água. Como sabemos, o Brasil é privilegiado pela alta incidência solar, graças a sua localização próxima à linha do Equador. Ou seja, o País tem tudo para ser protagonista nessa geração de tecnologia”, finaliza Gonçalves.
O projeto tem como vice-coordenadora a professora Liane Rossi, do Instituto de Química (IQ) da USP. A equipe também conta com os professores Douglas Gouvêa, da Escola Politécnica (Poli) da USP, Flávio Souza, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e Heberton Wender, do Instituto de Física da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), além de estudantes de graduação e pós-graduação. Mais informações sobre a iniciativa podem ser consultadas aqui.
Da Assessoria de Comunicação do RCGI
Matéria -Jornal USP , da redação